E quem é meu próximo” (Lc. 10,29)

15º Dom. Tempo Comum

 

 

Teria sido fácil para Jesus fornecer definições de “próximo”; se não o faz é porque quer evitar que se considere o “próximo” como um objeto de estudo ou de investigação. Perante a pergunta inicial, Jesus não assume o papel que o escriba lhe propõe e, em vez de dar-lhe a resposta pedida, indica onde deve buscá-la: Jesus quer tirá-lo do mundo do saber para levá-lo ao do fazer.

 

O ícone do “bom samaritano” apresenta o próximo “em situação”, o próximo concreto, histórico, que interpela e compromete cada um em escolhas decisivas, em relação às quais se demonstra se é ou não “próximo” do necessitado. Por isso, a interrogação inicial se inverte: já não se trata de perguntar-se “quem é meu próximo?”, mas “de quem eu sou próximo e como eu chego a ser próximo?”  O “próximo” não é somente o outro para mim, mas eu para o outro.

 

O “próximo”, no sentido expresso pela parábola, não pode nos deixar indiferentes; provoca uma resposta, compromete em uma ternura concreta, oblativa, capaz de risco, para socorrer o ferido. A conclusão da parábola é um programa de vida. Jesus não diz: “agora, sabes, podes ficar tranquilo”. Afirma antes: “Agora vai, e  também tu faze o mesmo”. Neste ícone, temos a magna carta da ternura como resposta do discipulado e forma de atualização concreta do amor evangélico.

 

Os personagens da parábola: um homem, assaltantes, um levita, um sacerdote, um samaritano; todos, exceto “um homem”, aparecem designados por sua função social: uns com prestígio e outros no mundo marginalizado (assaltantes, samaritano). “Um homem”, sem mais especificações, representa cada ser humano, para além de suas conotações de nacionalidade, de nível social, de religião; é cada ser humano necessitado, carente, vítima... A novidade do evangelho consiste precisamente na superação de tais barreiras.

 

Na parábola, o desconhecido ocupa o centro do relato, visto que todos os demais personagens aparecem em relação com ele: os bandidos o assaltam, despojam, golpeiam e o abandonam; o sacerdote e o levita vêem-no e passam ao largo; o samaritano o vê, comove-se, aproxima-se, cuida dele. Até quando é levado à hospedaria continua sendo o pólo das atenções. Essa organização do movimento no espaço em torno de um homem reduzido à impotência indica seu papel central, mesmo que dentro de sua passividade. Todos os personagens se definem a favor ou contra ele: é assaltado, despojado, espancado, deixado semimorto, comiserado, enfaixado, conduzido, cuidado... De viajante passa a corpo inerte e, abandonado por uns, reencontra vida graças a outro.

 

O samaritano avista ali, no caminho, um homem, e um homem em perigo de vida; que fosse de outro povo ou outra religião é irrelevante. O bom samaritano vai além dos dados de ordem social, moral ou religiosa; avista, para além das diferenças, um ser humano igual a ele, e por isso irmão.

 

Para o sacerdote e para o levita, o homem ferido converte-se em obstáculo a evitar: seguem adiante pelo outro lado. As normas de pureza proibiam-lhes contaminar-se pelo contato com a morte, visto que deviam manter-se puros a fim de participar do culto.

 

O samaritano não se deixa condicionar pela “prudência” de continuar o caminho, nem pelo medo de se aproximar do ferido; ao contrário, se detém e se envolve na situação do ferido: “Viu-o e teve compaixão” (sentimento que aparece na Bíblia referindo-se somente a Deus e a Jesus); assume o risco do encontro e se deixa interpelar pela necessidade do outro, cuja vida, para ele, conta mais do que prosseguir sua viagem.

Existem, portanto, duas maneiras de ver: permanecer alheio ou comprometer-se.

 

O sacerdote e o levita não mudam, a não ser passar  pelo outro lado; tal  atitude os faz aliados dos bandidos sob o signo da exclusão: saem do relato sozinhos, limitados a seu projeto, excluindo o outro.

O samaritano “viu-o” e foi afetado pelo que viu; isso evoca já um modo diferente de olhar o outro, não como um estranho ou com indiferença, mas como um “próximo” para servir com amor. O termo “compaixão” revela um forte compromisso afetivo como “um comprimir-se do coração” e denota uma íntima participação na situação do ferido, um “com-partilhar” que se faz solidariedade.

 

O samaritano não organiza um socorro à distância, não se afasta em busca de reforços, mas ele mesmo põe mãos à obra, interessando-se pessoalmente pelo ferido e fazendo-se cargo de sua situação: com suas mãos o medica e enfaixa as feridas, o levanta e o carrega sobre sua cavalgadura; caminha ao lado por quilômetros e quilômetros e o entrega ao administrador da pousada.

 

Há, em todos estes gestos, uma “com-participação”, uma atenção pessoal que exprime a autenticidade da ternura evangélica. O samaritano realiza atos concretos e o faz com ternura transbordante, até ao excesso; ele vai além do simples apelo do dever. Ninguém poderia ter-lhe pedido tanto. Detendo-se, curando o ferido e conduzindo-o ao lugar de descanso, ele já tinha cumprido seu essencial dever de justiça e podia sentir-se satisfeito. Mas, ele sente a necessidade de ir além. Sua ternura é verdadeiramente completa, genuína, sem interesses nem meio-termo: é uma ternura de puro dom, gratuita, uma ternura de benevolência.

 

Com justiça, os padres da Igreja gostavam de destacar que o primeiro grande Samaritano fora o Filho de Deus feito homem. Ele, em primeiro lugar, se deteve misericordiosamente junto a nós pecadores, descendo de sua “cavalgadura” e fazendo-se nosso companheiro de viagem.

 

A “opção de vida” em favor do próximo é o indicador de uma vida aberta aos outros e comprometida na construção de uma convivência social na qual predomine a ternura e não a dureza de coração, o respeito à vida e o amor e não a violência e a exclusão.

 

Segundo a teóloga Maria José Torres “a parábola do samaritano tem consequências ético-políticas”. Nossa compaixão deve estar perpassada de indignação ética, porque não há compaixão sem justiça. Daí apostar pelo modelo compassivo do cuidado.

 

Para voltar às raízes da fé, devemos reivindicar a compaixão como sinal de identidade do humano e do divino, porque parecer-se com Deus implica ser e atuar compassivamente. Deus tem entranhas de mãe e se comove por seus filhos mais sofredores, vítimas da maldade humana.

 

A parábola é uma exortação à misericórdia e à denúncia. Meu próximo não é só o que merece minha ajuda, mas também aquele que merece ser denunciado porque dá uma volta e deixa as coisas como estão.

 

Texto bíblico:   Lc 10,25-37

 

Na oração: Os personagens da parábola podem servir-nos de espelhos: talvez possamos sentir-nos como o escriba cético que pergunta: “Quê devo fazer?”, sem contudo, comprometer nossa vida; ou como o sacerdote e o levita, tão preocupados em chegar ao culto que não nos sobra tempo nem atenção para o homem ferido jogado na sarjeta. Os três aparecem distraídos e dispersos em seus próprios projetos, planos, ocupações ou reflexões, querendo conhecer, no plano teológico, quem é o próximo, cumprir a Lei, chegar ao Templo, não contaminar-se com um cadáver...

 

No entanto, tudo isso os impede de viver centrados no essencial que, naquele momento, era atender ao homem ferido. O samaritano, ao contrário, aparece descentrado de si mesmo; é todo atenção solícita e eficaz no serviço do desconhecido que encontra em seu caminho, e isso o faz entrar em sintonia com o desejo e o coração de Deus.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI

09.07.2013