“Agora chegou o momento de um novo Jubileu, em que se abre novamente, de par em par, a Porta Santa para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a esperança segura da salvação em Cristo” (Bula Papa Francisco, n. 6)
Com a Bula “Spes non confundit” (“a esperança não decepciona” – Rom 5,5), o Papa Francisco proclamou o Jubileu ordinário do ano 2025. Com o tema “Peregrinos de esperança”, a intenção do Papa é reacender a esperança em todo o povo cristão, tendo presente o contexto social e religioso marcado pela “desesperança”, carência de projetos e de sonhos, falta de sentido...
Que é o Jubileu da esperança? O texto bíblico do Levítico 25 nos ajuda a compreender o que significa “jubileu” para o povo de Israel. A cada 50 anos os hebreus ouviam o alegre som do “jobel” (corneta de chifre de carneiro) que ecoava nas montanhas e nos vales, convocando a todos (“jobil”) para celebrar um ano jubilar. Neste tempo devia-se recuperar a boa relação com Deus, com o próximo e com toda a Criação, fundada na gratuidade. Era um ano do perdão, ou seja, os pobres ficavam livres de suas dívidas, os escravos tornavam-se livres, os camponeses recuperavam suas terras... Cheios de júbilo, podiam respirar, podiam viver, podiam reacender uma nova esperança; era o jubileu.
Neste Novo Ano que se inicia, o Jubileu vem nos recordar que somos “peregrinos de esperança”; é da nossa essência humana. A vida é constituída de contínuas “travessias” em direção a um horizonte inspirador. Somos seres em trânsito, rumo ao novo. Itinerantes. Temos “fome e sede de estradas”. O próprio caminhar desvenda mais caminhos, desperta uma inspirada esperança.
“O ser humano é Terra que anda” (Atahualpa Yupanqui). O caminho está dentro de nós. Sem caminho nos sentimos perdidos, confusos, sem rumo, sem bússola e sem estrelas para orientar as noites de nossa existência.
Mais do que ser-de-caminho, o ser humano é ser-caminho: caminho da vida, caminho da verdade, caminho da justiça, caminho do coração, caminho do amor, caminho da ciência, caminho da ética, caminho da solidariedade. Cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros.
Caminho escancarado à passagem da humanidade peregrina. Caminho acolhedor; caminho aberto e solidário; caminho ecumênico; caminho plural; caminho sedutor. Esta é a grande esperança que dignifia toda a humanidade.
“Peregrinar” e “esperançar”: fundamentos de nossa vida; duas dimensões humanas indissoluvelmente unidas, pois uma não existe sem a outra; duas atitudes que revelam a verdadeira identidade do ser humano. Quando os pés se movem, a esperança se acende; por outro lado, ninguém caminha se não é alimentado pelo fogo da esperança; é a esperança que mobiliza nossos melhores recursos, mobiliza nossos pés e nos faz peregrinos(as). Enquanto avançamos no caminho, importa colher e acolher o que a esperança oferece.
Expandimos a esperança que ilumina a mente e o coração do nosso ser caminhante.
Todo ser humano é aventureiro por essência; com ardor, ele anseia por uma causa última pela qual viver, um valor supremo que unifique a multiplicidade caótica de suas vivências e experiências, um projeto que mereça sua entrega radical. Para dar sentido à sua vida e realizar-se como pessoa, o ser humano necessita da autotranscedência, isto é, viver para além de si mesmo, de seus impulsos, caprichos, desejos...
Ele carrega dentro de si a sede do infinito, a criatividade, a capacidade de romper fronteiras, os sonhos, a luz... Portador de uma força que o arrasta para algo maior que ele, não se limita ao próprio mundo; traz uma aspiração profunda de ser pleno, de realização, de busca do “mais”...
Nesse sentido, o Jubileu vem ao encontro desse nosso desejo profundo e se apresenta como uma mediação para ajudar-nos nessa longa travessia em direção à nossa própria identidade expansiva, deixando nosso estreito território e nos enveredando pelas terras desconhecidas do nosso “eu profundo”.
Somos ainda, em grande parte, uma “terra desconhecida” para nós mesmos, e a viagem de descoberta é como a viagem imaginária a uma nova terra, estranha e bela, que desperta assombro frente aos seus encantos e à novidade de suas mil maravilhas. Perceberemos, depois, com surpresa e alegria, que a bela terra nova a que chegamos sem saber é nosso próprio país natal esquecido, subestimado e abandonado. A redescoberta de nós mesmos é a maior e sem dúvida a mais gratificante aventura de nossa vida.
Redescobrindo a nós mesmos, vamos encontrar o nosso lugar na história e a nossa missão no mundo.
O Jubileu da esperança nos convida a “fazer estrada”, numa viagem em busca do mundo interior, sede dos desejos, daquilo que é importante e essencial, o nosso modo de projetar o futuro, as nossas decisões...
Foi essa a experiência vivida pelos pastores, que os arrancou do seu cotidiano e os fez caminhar em direção à Gruta de Belém; nas suas vidas, muitas vezes rotineira e sem expressão, uma Criança se fez presente e a alegria tomou conta do coração deles. E, repentinamente, sentem que, na noite da desesperança, uma luz os envolve, uma voz os consola, uma esperança floresce. A plenitude chegou para eles, e quando ela chega não se esgota num instante, senão que permanece ao longo de toda a vida. Eles se puseram a caminho, na direção do lugar onde o coração e a luz os guiaram. Num despojado presépio, a luz de seus olhos se encontrou com a glória da vida e do universo, encarnada no sinal mais humilde e luminoso: um recém-nascido.
Os pastores encontraram Aquele que é a “Luz da esperança”, e tudo se transfigurou para eles, pois Deus se revela em tudo. Com eles, também nós podemos nos colocar a caminho, olhar mais para dentro de nós mesmos, sentir o sofrimento dos excluídos, contemplar a harmonia do amanhecer e do entardecer de toda a natureza vivente, e reconhecer no fundo de tudo a paz que nos sustenta e nos relança em direção a um futuro carregado de esperança.
Neste mundo da violência globalizada, da economia que gera “massa sobrante”, da política planetária submetida aos poderes financeiros, da juventude condenada ao desespero, dos equilíbrios da natureza rompidos, neste mundo que parece ter perdido o juízo e caminha desesperadamente para o suicídio, neste mundo onde só cabe a resignação ou o conformismo doentio...., ainda continua sendo possível ver a Luz e experimentar, como os pastores, que ter “esperança é ser capaz de ver a luz apesar da obscuridade” (Desmond Tutu).
Caminhamos juntos, acompanhados por Aquele que é o Caminho: “Emanuel, Deus conosco”.
Quem caminha quer ser mais. Seu horizonte é o seu sonho, o seu ideal. Aceita o desafio de caminhar com os pés no chão e o coração na eternidade.
O Ano Novo nos abre as portas para uma vastidão de possibilidades, sonhos, desejos.... No início de cada ano civil nos é oferecida uma nova oportunidade, uma possibilidade aberta para investir o melhor de nós mesmos nos 365 dias que temos pela frente; assim, deveríamos viver o começo de cada ano, que se oferece a todos como novidade, oportunidade, novo começo...
Caminhar é preciso. O seu caminho tem coração?
O Ano Novo mora dentro de você.
Textos bíblicos: Lc 2,16-21
Na oração: Orar é entrar na Tenda do Senhor, que é o próprio coração: peregrinação interior, mobilidade...
- Deus “passa” e nos coloca em movimento; a oração é “fazer estrada com Deus”, caminhar na mesma direção, entrar no ritmo d’Ele, deixando-nos “ser conduzidos”.
- Para onde você sente que Deus vai lhe conduzindo? Há alguma coisa que o aprisiona?
- Recordar medos, entraves, obstáculos... que limitam sua vida interior, impedindo-o(a) fazer-se peregrino(a)
- Quê eventos inesperados no caminho transformaram sua vida? O que realmente causou impacto? Era algo planejado? Em que aspectos da vida você pode “sair” dos terrenos conhecidos? Você já se arriscou alguma vez?
- Neste Novo Ano que se inicia, você vislumbra caminhos inspiradores? Quê esperanças você alimenta no seu coração? Nele há lugar para a surpresa, para o inédito?
Um inspirado Ano Jubilar a todos.
Pe. Adroaldo Palaoro sj