“Pessoalmente, penso que chega um momento na vida da gente em que o único dever é lutar ferozmente para introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de ‘eternidade’.
Rezo, escrevo, amo. Cumpro, suporto, vivo – mas só me interessando pela eternidade” Guimarães Rosa
Nós cristãos ocidentais, sentimos o tempo como algo vazio, que precisa ser preenchido rapidamente. Vivemos em um “tempo sem tempo”!Um tempo de ter! Um tempo de preencher! Um tempo de excesso de informação circulante e de atividades insensatas (sem sentido)! Um tempo sem eternidade.
Advento nos revela a presença da eternidade no coração do tempo. O Eterno irrompe na história, iluminando a dura rotina e a seqüência do cotidiano. E, no nosso interior, o Eterno tem seu templo. Nesse sentido, é bom considerar que a própria eternidade pode ser sentida como fluir de um presente sem fim, bom para ser vivido a cada instante. Quando a Advento aponta para a eternidade, bem que poderíamos olhar para dentro de nós mesmos. Aí, no nosso interior, há tanto de eterno. A eternidade dialoga com a gente, fala por dentro.
Sem a eternidade do coração que pulsa em nós, que nos unifica e plenifica, a vida se empobrece.
Marcados pelo “tempo vazio” a ser preenchido a todo custo, acabamos por perder a consciência da riqueza do “tempo do Advento”. Tempo forte carregado de sentido, que nos humaniza e nos faz caminhar em direção Àquele que vem vindo... em nossa direção. Tempo que nos faz ter acesso àquilo que é mais humano em nós: o sentido da esperança, a travessia, o encontro com o novo... tempo que nos arranca de nossas rotinas e modos fechados de viver.
Por isso, a sabedoria é “sentir o tempo”. Advento deveria ser um tempo para voltar-nos para o interior em meio à agitação, olhar dentro e perguntar-nos: “presto atenção à história que vivo, às suas dores e à sua beleza? Reconheço seus poderes que desumanizam (augustos, Herodes, quirinos) e a vida vulnerável de Deus que nela se revela, iluminando-a, apesar de tudo?
No Advento, somos iniciados a “sentir o tempo” de um modo novo, a fazer-nos amigos dele, a nomear e acompanhar o tempo que nos toca viver, a habitar com intensidade as diferente etapas de ossa vida. Cada momento esconde sua pérola, e é muito excitante quando chegamos a descobri-la.
É preciso recuperar a força do “hoje” de Deus conosco, reconhecer o “tempo” de sua Vinda, em tempos de deslocamentos. Vislumbramos “algo” no horizonte e percebemos seus passos enquanto chega; e a história é o rumor desses passos. Caminhamos para Ele quanto mais nos adentramos para o fundo de nós mesmos e da realidade. Advento nos convida a “contaminar-nos” da realidade; e isso nos humaniza. O maior enraizado no tempo que nos toca viver significa capacidade de sermos surpreendidos, apesar de tantoas luzes e adornos “de época”, pelos lugares, gestos, rostos ou pessoa nos quais se pode vislumbrar a divindade que se humaniza. O Eterno continua vindo, pelos caminhos mais imprevisíveis.
Somos “seres de travessia” e, quando viajamos, temos em mente a meta final da viagem.
O Advento nos convida a não perder de vista nosso horizonte, nossos objetivos, nosso propósito de investir a vida, desinteressadamente, naquilo que vale a pena. O “fim” determina e dá sentido à vida cristã; em outras palavras, a vida cristã é contínua projeção rumo ao fim.
Cada momento é o “hoje” de Deus; por isso o “fim” está sempre chegando. Quantas coisas acontecem envolvidas pela sombra e pelo mistério do “hoje” e não temos sensibilidade para percebê-las. Enquanto o agricultor descansa, rompe e cresce a semente lançada na escura terra, acompanhada de renovadas expectativas e esperança. No “hoje” se eleva o canto, a palavra que anuncia o Advento, que põe a caminho, que responde pedindo acolhimento, atenção, disponibilidade, partilha.
Eis o mistério: o Esperado traz uma novidade que envolve e que se revela em cada traço de humanidade e em cada fragmento de tempo, deste tempo colocado em nossas mãos.
O tempo, o nosso tempo, é habitado por Aquele que vem; até na noite da desolação, na solidão, no deserto, é possível encontrá-Lo.
Contemplando o “hoje” de Deus, o coração se alarga até o assombroso, os braços se abrem para a acolhida, os pés se movem para o encontro, os olhos se aquecem para o recolhimento.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI
19.11.2013