A vida do cristão é a vida centrada em Cristo, mas como a vida de Cristo era centrada no amor de Deus a ser repartido entre todos, também a vida do cristão estará a serviço desse plano de amor.

Fazendo uma busca em nossos arquivos e atualizando memórias, trago um texto que nos foi presenteado pelo padre Johan Konings a nossa catequese. Uma memória que deve estar sempre viva nos animando para uma caminhada constante do “ser cristão”.

Dizia ele: “A visão de uma vida centrada em Cristo, uma vida de amor repartido aos irmãos, destoa da caminhada da sociedade que pode ser observada nos tempos atuais. Esta não gosta de ouvir falar em Cruz e sacrifício, mas nos convida a viver os prazeres mundanos, competir, ganhar sempre, acumular, mesmo à custa dos outros. O cristão consciente, ao contrário, vê que o caminho de Jesus é o da doação da própria vida, quer vivendo, quer morrendo, como ele nos mostrou. Como qualquer pessoa sadia, o cristão não deseja o sofrimento nem para si nem para os outros, mas não se esquiva dele se é por causa do amor e para que seus irmãos e irmãs possam participar da plenitude da vida que Deus criou para todos.

A prática da vida cristã pode ser descrita como mística e ética. A mística é a contemplação de Jesus, pela qual a gente vê a própria vida em unidade com a de Jesus. A mística vem da mistagogia: deixar-se conduzir para dentro do mistério da vida de Cristo. “Para mim, viver é Cristo” disse São Paulo (Filipenses 1,21). A ética (ou moral) significa o modo de proceder em conformidade com os valores que orientam a comunidade cristã: os valores que Jesus nos ensinou por sua própria prática de vida. A vida cristã é seguir Jesus pelos caminhos que ele trilhou, julgando a realidade como ele julgaria e agindo como ele agiria nas circunstâncias de hoje.

Para julgar e agir eticamente como Jesus é preciso ter diante dos nossos olhos: seu ensinamento, sua prática de vida. Não há ética cristã sem o momento místico, que nos faz ver a realidade de Deus que transparece em Jesus. Jesus é o rosto de Deus que projeta sua luz sobre o caminho do nosso viver. Trilhar nosso caminho à luz de Cristo é viver diante da face de Deus.

O ser cristão é, portanto, desde a raiz, uma experiência mística: o viver na presença de Jesus, o Cristo, e no Espírito que por instância dele nos vem da parte do Pai. Essa mística é alimentada pela liturgia, na qual está incrustada o Pai-Nosso, a oração cotidiana do cristão, como a pérola na ostra.

A celebração da Mesa da Palavra e da Mesa Eucarística do Senhor estrutura esse envolvimento místico segundo o ritmo do ano litúrgico, cujo ápice é a Páscoa, a tal ponto que cada domingo pode ser chamado de “Páscoa semanal”. Esta mística cristã abre espaço para muitas formas de contemplação e de oração, de acordo com a diversidade das culturas e das experiências pessoais.

A união do fiel com Cristo determina sua prática de vida, a ética cristã. Esta se origina no olhar da consciência fixado em Cristo e iluminado pelo Espírito de Deus, em todas as situações decisivas, em todas as encruzilhadas da vida. O cristão recebe nisso a ajuda de normas práticas (mandamentos) e de atitudes ou qualidades (virtudes)

Mais profunda, todavia, é a opção fundamental pró ou contra o caminho que nos é apresentado no projeto de Cristo. Essa opção, quando vivida com seriedade, determina em última instância o valor de nossa vida à luz do Fim.

O Deus de Jesus e do cristão: “Meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”
Quem foi o Deus de Jesus, o Deus do qual Jesus experimentou a presença e o amor em sua própria vida? É o Pai que nele se manifesta, o Deus Trindade, que é também o Deus proclamado na profissão de fé daqueles que optam por Jesus, o Cristo.

A experiência fundamental da vida de quem opta por Jesus, na fé, na esperança e no amor, resume-se maravilhosamente no “tudo é graça” de Agostinho. Precisa ser configurada numa vivência confessional, com opção e identidade assumidas e alicerçada na devida iniciação, para que possa ser comunicada e transmitida a outros, especialmente às gerações por vir.

Segundo o Evangelho de João (1,18), ninguém jamais viu Deus. Ninguém pode por seu próprio esforço formar uma imagem dele. O cristão olha em primeiro lugar para Jesus, na sua vida humana, na carne, contemplando a entrega de sua vida por amor e fidelidade. E então diz: “Assim é Deus”. Esse Deus da doação total no amor está presente em nossa vida como o Deus Pai e Filho e Espírito Santo, em cujo nome somos batizados. Esse é o núcleo da profissão da fé cristã, pela qual iniciamos nossa vida como cristãos conscientes, cristãos por opção.

Como se apresenta, então, o “ser cristão”? Partindo daquilo que Jesus vivenciou no seu tempo, no seio de seu povo, vimos o que chegou até nós: aquilo que a comunidade, nascida do acontecer de Jesus, assumiu como seu legado e vivenciou na prática, no tempo e nas circunstâncias históricas próprias, em meio a imperfeições, porém animada pelo Espírito de Jesus. Na perspectiva de nossa profissão da fé batismal, refletimos sobre aquele que chamamos “Deus”, não como uma ideia pré-concebida, mas como aquele que se dá a conhecer no caminho humano de Jesus e que nos convoca a vivenciar, sem esmorecer, a fé, a esperança e o amor, na liberdade dos filhos de Deus. Quem recebe tudo isso como graça, recebe também a missão de viver disso e de transmiti-lo, fielmente, em formas novas”. (In memória.Johan Konings, Biblista, professor da FAJE).

O ser cristão é o modo de vida de todos os batizados, mas a fé cristã está enfraquecida, sem forças suficientes para criar verdadeiros “discípulos” de Jesus nem “seguidores”, que identificados com seu projeto trabalhem para abrir caminhos para o Reino de Deus.

Neuza Silveira de Souza.

Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-catequético de Belo Horizonte