A fé em Jesus Cristo tem a ver com as realidades da existência humana. O acontecimento-Jesus, quando colocado no seu contexto social, econômico e político do seu tempo, ou seja, do mundo judaico do século 1, nos ajuda a compreender a forma experiencial de sua vida diante das estruturas familiares, sociais e culturais que que foram as bases de sustentação do seu jeito de ser.

Conhecendo um pouco a sociedade judaica no tempo de Jesus, pode-se perceber que ela retratava, em seus aspectos constitutivos, as mesmas realidades do nosso tempo: Era constituída de ricos, remediados, pobres, escravos e miseráveis. Como sabemos, os ricos são os donos do poder.

Os ricos integravam a corte e a aristocracia sacerdotal e leiga. Naquele tempo a corte era constituída pela família de Herodes e de seus partidários. Eles detinham grande parte da riqueza em suas mãos. A aristocracia leiga era constituída pelos grandes comerciantes, donos dos grandes mercados. Muitos eram proprietários de terras, e isso era difícil de ser entendido pelo povo Judeu que considerava a terra como propriedade de Deus e por isso deveria servir para o sustento de todos.

Os remediados eram aqueles pequenos proprietários de terras, de casas de comércio e oficinas de artesanatos, conhecidos como classe média do nosso tempo. Aqui também se encontrava o baixo clero. Para sua sobrevivência, os pertencentes a essa classe exerciam diversas profissões, todas ligadas à cultura e economia da época: os grãos oriundos da agricultura, a lã oriunda da criação das ovelhas, havia grandes tecelagens (ofício da mulher), alfaiates, comerciantes de roupas de coro e sandálias.  Havia também padeiros, perfumistas, carpinteiros e outros. Os profissionais que trabalhavam com o ferro e bronze que mais tarde passaram a trabalhar nas grandes indústrias de guerra fabricando maquinas, espadas e armas de arremesso. O artesão artístico que trabalhava com ouro fazendo enfeites, adornos de cabeça, etc. Várias eram as profissões existentes. No evangelho de Marcos encontramos referências desses trabalhadores em suas funções. Em Mc 14,13 fala-se dos trabalhadores que lidam com a transformação de azeitonas em óleo e a uva em vinho. no livro de Atos dos Apóstolos encontramos referências sobre os ourives (At 19,23-40). Em relação à fabricação do bálsamo encontramos citações em Mc 16,1, Lc 23,56-57. Jo 19,39;

Uma terceira classe era a dos pobres. Na sua maioria eram os diaristas e assalariados. Dentre eles encontravam-se alguns profissionais, mas a maioria sobrevivia em virtude da caridade e da esmola. Esses eram os mais próximos de Jesus cuja família era também modesta. José tinha a profissão de carpinteiro (Mc 6,3), e segundo a tradição, Jesus trabalhou junto com seu pai, José. Jesus e os discípulos pertenciam ao grupo de pobres. Era uma situação difícil e muitos deles tinham dificuldades de pagar os impostos exigidos pelo império. Muitas são as citações encontradas nos evangelhos que retratam essa realidade.

Temos ainda, entre o povo aqueles que eram escravos e viviam á mercê dos seus patrões. Tinham os escravos judeus que recebiam alguns benefícios segundo a lei. Quando o escravo era um pagão, ele era considerado propriedade do patrão.

Ainda na base da pirâmide encontra-se os miseráveis, aqueles considerados os indesejáveis na sociedade. Esses eram excluídos da sociedade e viviam em estado de extrema pobreza. Como exemplo os evangelhos citam os leprosos (Mc 1,40-45), mendigos, possessos do demônio (Mc 1,32-34, doentes mentais, cegos e coxos.

Aprendendo com os Evangelhos

Dos quatro evangelhos escritos o que mais aproxima da realidade na qual Jesus viveu é o Evangelho de Marcos, pois o mesmo foi escrito por volta dos anos 65 da era cristã, numa realidade próxima ao seu tempo. Os demais evangelhos foram escritos numa realidade e contextos diferentes, pois já havia ocorrido a destruição do Templo de Jerusalém e o povo já se encontrava disperso, fora de Israel. Mas eles tem como fonte o Evangelho de Marcos, bem como outras fontes e experiências de comunidades diferentes que vem enriquecer nosso aprendizado.

Fazendo um percurso nos evangelhos, com uma boa leitura, percebe-se que eles nos falam de Reino, de Rei, de Messias, de Filho do Homem, de Filho de Deus, Filho do Pai. Esta linguagem é própria de uma sociedade que, tendo uma experiência diferente da nossa, representava o universo social diferente. Esta sociedade ligada ao rei. O rei, ou imperador era a fonte da vida (responsável da fecundidade), fonte da verdade (ditava o direito, classificava as pessoas, detinha as palavras sagradas) e fonte do poder (o qual vem de Deus de quem o rei é o substituto e filho do reino).

Toda essa experiência de vida de Jesus e seus discípulos, na sociedade em que viviam são retratadas nos evangelhos., ensinamentos que podemos aplicar em nossas realidades utilizando-se dos meios e formas que Jesus trabalhou junto aos seus. Nesse sentido, podemos afirmar que sua experiência de vida vem carregada do tipo de vida do seu povo: os pastores, os vinhateiros, os agricultores, gente com as quais conviveram.

Hoje temos consciência de que o conhecimento do Jesus histórico nos ajuda a compreender melhor o sentido da nossa fé, pois não se trata apenas de conhecimento de conteúdo, mas de uma experiência adquirida na participação da prática de fé da Igreja que nos reenvia ao acontecimento nas fontes. Não se trata de tentar encontrar fatos ocorridos com Jesus, nem palavras ditas por ele, mas saber qual foi a relação entre o Jesus da história e a de seus discípulos na sociedade palestinense do século I. Trata-se de relação e não de conteúdo.

Nesse sentido a busca do conhecimento de Jesus no seu tempo poderá contribuir para nos ajudar a situarmos no mundo moderno numa relação semelhante àquela que Jesus e os seus discípulos tiveram com seu próprio mundo.

Neuza Silveira de Souza

Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.

IN: Jornal Opinião e Notícias 

Site da Arquidiocese de BH 29.01.2020

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