Campanha da Fraternidade (CF). Uma forma que a Igreja Católica no Brasil encontrou de vivenciar a Quaresma. Há cinco décadas a Campanha (CF), coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe temas que apontam para a necessidade de compromisso do cristão. Também propõe discussões e enfrentamento dos problemas que afetam os pobres: precariedade da saúde, do trabalho, educação, moradia, políticas públicas, entre outros já foram foco da CF.

O tema proposto em 2020 é Fraternidade e vida: dom e compromisso! Quatro palavras de profundo significado. Fraternidade: parentesco, solidariedade entre irmãos, harmonia entre humanos. Vida: tem conceito bem amplo, mas aqui interessa vida como existência. Dom: significa dádiva, presente. Compromisso: é responsabilidade. Assim a Campanha convida os cristãos para cuidar da vida! Vida nas suas diversas dimensões: pessoal, comunitária, social, ecológica, política. 

Esse olhar atento precisa antes responder a indagações angustiantes: o que aconteceu conosco? Por que vemos e deixamos crescer tantas formas de violência, agressividade e destruição? Perdemos, de fato, o valor da fraternidade? “Olhai para a terra, veja quanta maldade” (samba enredo da Mangueira).

A CF 2020 toma como referência a parábola do bom samaritano (Lucas 10, 25-37). O sacerdote e o levita, desviam-se do homem ferido, pois não tinham tempo para ele. Mas o Samaritano aproxima-se da vítima dos salteadores e, movido pela compaixão, gasta seu tempo e dinheiro, ficando com ele na hospedaria. Paga todas as despesas e promete retribuir ao dono da hospedaria tudo o que gastasse para cuidar do homem ferido.

A postura do samaritano contém o centro do ensinamento de Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem possuímos vínculos, mas todo aquele de quem nos aproximamos. Sentir compaixão é a chave para fazer a vontade de Deus, que ama toda a criação. Tempo de abertura ao mistério da dor e morte de Jesus. Sua entrega na cruz é o culminar do estilo que marcou sua vida. Somente contemplando o mundo com os olhos de Jesus, olhar samaritano, é possível acolher o grito que emerge das várias faces da pobreza e da agonia da criação.

O olhar do sacerdote e do levita são o da indiferença. Um olhar que gera ameaças a vida. E quais são? O aborto, a migração forçada e as guerras que geram milhares de crianças órfãs. O desemprego que atinge milhões de trabalhadores. O trabalho precário que chega a 41%. A desolação! 27 milhões não conseguem trabalho algum. A miséria que castiga mais de 15 milhões excluídos. O suicídio, quarta causa de morte entre jovens. Violência no trânsito: 19.398 mortes, só no primeiro semestre de 2018. Brasil é o quarto país no mundo em mortes por violência no trânsito. Fé em Deus e pé na tábua?

Feminicídio! Entre 2016 e 2018 foram mais de 3,2 mil mortes no país. No mesmo período, mais de 3 mil casos de feminicídio não foram notificados.  Também são ataque à vida ideias como a pena de morte e o armamento. A meritocracia, o individualismo, o fundamentalismo religioso, o consumismo doentio que cria a cultura do descartável. A banalização do mal, chacinas, criminalização dos pobres, racismo, homofobia, ódio. Governo comprometido com os ricos e poderosos: em 2019 o lucro do banco Itaú foi de 10,2%, Santander 17% e Bradesco 20%. O Itaú lucrou um salário mínimo por segundo em 2019! Por segundo. O reajuste do salário mínimo foi de 0,1%.

O que fazer diante de tantos males? Os discípulos e amigos de Jesus estão a serviço da vida. Rompem com a indiferença e derrotam a Justiça. É preciso sentir a dor do outro e comprometer-se com o sofredor. Quem ama não acusa. Sua atitude é misericordiosa. Motiva a igualdade e a justiça. Superar a fome, o desalento social e econômico, a degradação do ecossistema e cultura do desperdício é responsabilidade de todos! A finalidade da vida cristã é promover a solidariedade na construção do Reino de Deus.

“Não tem futuro sem partilha nem messias de arma na mão” (samba enredo da Mangueira). Que todo ser humano tenha vida, e vida em abundância (João 10,10). A campanha é um convite ao olhar solidário. A missão do discípulo missionário de Jesus é revelar ao mundo o rosto da misericórdia e da justiça de Deus. Promover a justiça é um ato de fé. A caridade é o verdadeiro sentido da vida. A caridade social nos leva a amar o bem comum. A justiça jamais estará desvinculada da caridade.

A Quaresma é tempo para descoberta da ternura que revela o rosto materno do Deus apaixonado pelo ser humano. Estimula a amar, cuidar e a aceitar os outros. A quaresma deve estimular a Igreja em saída, aquela que vai as periferias sem medo de sujar as sandálias. Servir! Ver! Sentir compaixão e cuidar da vida é o autêntico Programa Quaresmal.

Pe. Élio Gasda SJ

In: domtotal.com