O Papa Francisco vem repetindo com frequência que é preciso sair, que é preciso se arriscar, que ele prefere uma Igreja acidentada a uma Igreja trancada em casa, doente e deprimida. O Documento de Aparecida, sem dúvida por influência do Cardeal Jorge Bergoglio, que fazia parte da equipe de redação do documento, insiste em que não basta ser discípulo, é preciso também ser missionário. A vocação para sair de si é para todos.
Ninguém é vocacionado para se acomodar. Ninguém é vocacionado para garantir a própria vida e subsistência com tranqüilidade e conforto. É vocacionado para remar contra a corrente – também palavras do Papa Francisco – para esquecer a segurança de casa e sair, ir, “como ovelha no meio de lobos”, anunciar a salvação que se encontra no Messias Jesus.
Amós
Amós era “um dos pastores de Técua” (Am 1,1), aldeia de Judá, ao sul de Jerusalém. Mais adiante (7, 14) ele se diz também “vaqueiro e cultivador de sicômoros”. Tomando conhecimento do que se passava no reino norte, o reino de Israel, sente-se chamado por Deus para denunciar a exploração dos pobres e o culto falso que tentava encobrir a exploração dos mais fracos, no economicamente próspero e convencido Israel.
Ele faz suas denúncias no Santuário Nacional de Betel. (2,6-7) “Eles vendem o justo por dinheiro, o sofredor, por um par de sandálias, 7esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra e tornam mais penosa a vida dos oprimidos”. “4, 1Escutai esta palavra, vacas de Basã, do planalto de Samaria, vós que explorais os fracos e esmagais os carentes, que só sabeis dizer aos maridos: ‘Traze, vamos beber!’”. 5, “21Sou contra, detesto vossas festas, não sinto o menor prazer nas vossas celebrações!”. “23Afasta de mim a algazarra de teus cânticos, a música de teus instrumentos nem quero ouvir. 24Quero apenas ver o direito brotar como fonte, e correr a justiça qual regato que não seca”.
Evidentemente ele foi expulso do Santuário e também do país. Amasias, o sacerdote chefe do Santuário, imaginou que ele fosse dos “profetas profissionais”. Esses ganhavam a vida fazendo profecias para agradar os poderosos ou para cobrar a fim de modificar o sentido de suas palavras. Assim, disse-lhe que o Santuário era uma dependência do palácio do rei e que Amós deveria ir ganhar a vida dessa forma lá na sua terra, o reino de Judá. Aí ele nega ser desses profetas e se diz vaqueiro e cultivador de sicômoros.
Jeremias
Jeremias não gostou de ser vocacionado. Disse “Maldito o dia em que fui gerado! Jamais seja abençoado o dia em que minha mãe me deu à luz!” (Jr 20,14) “Minha mãe poderia ter sido minha sepultura, ter ficado grávida para sempre! Por que fui eu sair do seu ventre? para só ver tristeza e aflição? para gastar minha vida em fracassos?” (Jr 20,17).
Ele tentou resistir. 1, 4Veio a mim a palavra do Senhor: 5“Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já contava contigo. Antes de saíres do ventre, eu te consagrei e fiz de ti profeta para as nações”. 6Eu respondi: “Ah! Senhor DEUS, não sei falar, sou uma criança”. 7O Senhor respondeu-me: “Não me digas: ‘Sou uma criança’, pois a todos quantos eu te enviar, irás e tudo o que eu te mandar dizer, dirás. 8Não tenhas medo deles, pois estou contigo para defender-te”.
Mas não foi capaz. 20, “7Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir! Foste mais forte do que eu e me subjugaste! Tornei-me a zombaria de todo dia, todos se riem de mim. 8Sempre que abro a boca é para protestar! Vivo reclamando da violência e da opressão! A palavra de Deus tornou-se para mim vergonha e gozação todo dia. 9Pensei: ‘Nunca mais hei de lembrá-lo, não falo mais em seu nome!’. Mas parecia haver um fogo a queimar-me por dentro, fechado nos meus ossos. Tentei agüentar, não fui capaz".
Paulo
O Apóstolo se diz chamado, como Jeremias, desde o ventre de sua mãe (Gl 1,15). Foi fariseu fanático e inimigo dos primeiros discípulos, mas quando lhe caiu a ficha que o crucificado Jesus era mesmo o Salvador enviado por Deus, abandonou tudo o que sabia e que praticava, tudo virou prejuízo e lixo para ele (Fl 3,8).
“Pela Lei (pelo fanatismo com que seguia a Lei escrita e oral) morri para a Lei” (Gl 2,19) disse ele. Pela sua pregação de uma fé em Jesus totalmente desvinculada das observâncias judaicas ele ganhou muitos inimigos. Diziam que ele não era verdadeiro apóstolo, que outros que se diziam enviados pelos Apóstolos que estavam em Jerusalém eram super-apóstolos, mais apóstolos do que ele.
Ele, então desabafa: (2Cor 11,22-27) “22Eles são hebreus? Eu também! São israelitas? Eu também! Descendentes de Abraão? Eu também! São ministros de Cristo? 23Fora do juízo eu digo: Eu sou mais! Muito mais pelos trabalhos, muito mais pelas prisões, muitíssimo mais pelas chibatadas, muitas vezes perto da morte, 24cinco vezes recebi dos judeus as quarenta chibatadas menos uma, 25três vezes dos romanos apanhei de varas, uma vez fui apedrejado, três vezes eu naufraguei, fiquei uma noite e um dia perdido em alto mar. 26Sou mais ministro de Cristo pelas muitas caminhadas, pelos perigos dos rios, pelos perigos dos bandidos, perigos da parte dos compatriotas, perigos da parte dos gentios, perigos na cidade, perigos no descampado, perigos no mar, perigos dos falsos irmãos, 27pela labuta e pelo cansaço, muitas noites sem dormir, pela fome e pela sede, muitas vezes fazendo jejum forçado, pelo frio e falta de agasalho”.
É por esses desafios todos, não por qualquer outro motivo, que ele se pode dizer mais ministro de Cristo do que tantos outros.
Pe.José Luiz Gonzaga do Prado
Professor de Sagrada Escritura
01.08.2013