As setas

 

No Antigo Testamento encontramos palavras fortíssimas contra a fabricação e o culto das imagens. No capítulo 20 do livro do Êxodo é o segundo Mandamento: “Não farás para ti imagem ou figura de qualquer coisa que exista no céu, na terra ou nas águas debaixo da terra. Não farás, nem cultuarás” (Ex 20,4). Mas logo após os Mandamentos, no mesmo livro do Êxodo, capítulo 25, versículos 18-20, Deus manda Moisés fazer duas imagens de querubins de asas abertas sobre a Arca da Aliança, um com o rosto voltado para o outro. Como é isso: No capítulo 20, Deus proibia terminantemente fazer qualquer tipo de imagem, agora, no capítulo 25 está mandando fazer! Será que Deus caducou, esqueceu o que acabara de dizer? Como ficamos?

 

As metas

 

A Bíblia é a expressão da fé de um povo sem terra, pobre e oprimido, que um dia descobriu que o Deus dos fracos, o Deus deles, era mais forte do que os deuses dos poderosos que os dominavam. Os dominadores produziam imagens suntuosas e magníficas. Hoje ainda se podem ver no Egito muitas das imagens monumentais que impressionavam e calavam o povo. O povo escravo e sem terra não é capaz de produzir uma imagem dessas. Ao descobrir, porém, que seu Deus é mais forte do que os deuses dos dominadores, entende que deve organizar uma nova sociedade sem dominadores e dominados. Para isso: 1º Ter um Deus só, não há um deus dos fracos e outro dos fortes, 2º Não fazer imagem de Deus, senão o dono da imagem torna-se dono do deus e senhor das consciências das pessoas. Daí os dois primeiros mandamentos. Aqui a meta, o objetivo.

 

Javé, o Deus dos pobres, não pode ser manipulado, ele faz o que quer e o que ninguém espera. Por isso não tem imagem. Ele não está na imagem, está na vida, na luta, na caminhada do povo. Por isso não tem imagem. Ele não está ao alcance do homem, está acima, transcende. Por isso não tem imagem. Outra meta.

 

Existe, porém, no ser humano uma lei elementar: Nada chega à cabeça, à mente humana, sem antes passar pelos sentidos. É certo que Javé está na vida, nas lutas do povo, mas havia necessidade de se representar isso de alguma forma. Daí a Arca da Aliança, uma espécie de andor que ia à frente dos combatentes de Israel nas lutas pela posse das terras de Canaã. Como Baal o deus do lugar, o deus cananeu, montava o bezerro de ouro, Javé sentava entre os querubins, as duas figuras aladas que encimavam a arca. Nas batalhas pela posse da terra era ele que dava força e coragem aos combatentes. Outra seta, outra meta.

 

O Templo de Salomão foi construído junto ao Palácio, como um anexo. Poderia manipular a fé para dominar as pessoas. Mas a Arca da Aliança ficava no lugar mais sagrado e escondido do Templo. Aí só uma pessoa, o Sumo sacerdote, entrava uma vez por ano. Javé é o Deus escondido e invisível. É a alma do povo do Primeiro Testamento. Os textos bíblicos dessa época não precisam insistir nisso.

 

Quando boa parte do povo é levada para o exílio da Babilônia e outros, aos poucos se dispersam pelo mundo, acontece um choque. Aqueles que jamais viam qualquer tipo de imagem, agora ficam saturados de verem inúmeras estátuas, imagens e figuras de deuses os mais variados. E quem vai dizer que não é bonito? A tentação era grande: O culto judeu, sem imagens, sem visual, é frio, árido, enquanto que aqui é aquela variedade de figuras...


Pe. José Luiz Gonzaga do Prado

Biblista e professor de Sagrada Escritura na Faculdade Católica de Pouso Alegre-MG

01.06.2013