As Setas
O livro do Gênesis no seu capítulo 1, versículos 9 a 23, diz que Deus criou as plantas no terceiro, os astros no quarto dia, os animais no quinto e só criou o ser humano no sexto dia. Assim, o ser humano foi o último a ser criado.
O mesmo livro do Gênesis, porém, no capítulo 2, versículos 4b a 7 diz que não havia qualquer planta, porque o homem ainda não tinha sido criado. Só depois de modelar o ser humano do barro da terra é que Javé ou o SENHOR plantou um jardim, onde colocou o ser humano. Os bichos e os animais, segundo o mesmo capítulo 2 do Gênesis, versículos 18 e 19, foram criados para fazer companhia ao ser humano, então solitário naquele jardim.
Vem, naturalmente, a pergunta: Quem está certo, o primeiro ou o segundo capítulo do Gênesis? Quem foi criado primeiro? Segundo Darwin, primeiro vieram os animais, só depois a evolução chegou ao ser humano.
As Metas
A Bíblia não tem intenção de discutir com Darwin ou com qualquer cientista. As duas estórias são duas setas a apontar respostas de fé para diferentes situações concretas. Só isso.
O livro do Gênesis reúne em um só, diversos escritos de épocas diferentes com problemas diferentes, para os quais as respostas da fé têm de ser diferentes.
Assim é que o primeiro capítulo com mais 3 versículos e meio do capítulo 2 (2,1-4ª) é do tempo do exílio da Babilônia, cerca de quinhentos anos antes de Cristo. O capítulo 2 a partir da segunda parte do versículo 4 (4b) é um texto bem mais antigo. É da época do rei Salomão, mais de quatrocentos anos antes do exílio na Babilônia.
Esse escrito mais antigo, que dá a Deus o nome de Javé ou SENHOR, reflete a era de progresso do tempo do rei Salomão. A exaltação da capacidade humana era coisa própria da época. Com o progresso no uso do ferro, o homem se considerava capaz de fazer de tudo. Sem o homem, então, nada feito. O homem é o centro do universo, tudo existe para ele e tudo depende dele. Por isso, segundo esse relato, o SENHOR criou primeiro o homem como centro da criação e tudo o mais para ele. Nada existe sem ele. Apesar de toda essa grandeza, porém, o homem nada tem de divino, é feito do barro da terra (v. 7).
Em que direção aponta hoje essa seta? Como mostra Deus presente na nossa história? O escrito do tempo do exílio está colocado no primeiro capítulo do livro do Gênesis, mas foi composto 500 anos depois do escrito mais antigo, que está no capítulo dois. Por respeito ao nome santíssimo, já não chama Deus de Javé ou SENHOR, fala apenas “Deus”.
O povo da fé bíblica enfrentava outra situação. Estava exilado e escravizado na Babilônia, forçado a trabalhar sem descanso. Não havia qualquer respeito pelas suas antigas tradições, especialmente a do sábado ou shabat, um dia de descanso após de seis dias de trabalho. Por isso, nessa narrativa da criação, Deus descansa no shabat. Deus se cansou? Ou isso é apenas uma seta?
Essa narrativa não foi invenção do autor bíblico, foi adaptação de estórias da criação encontradas na Babilônia. Setas significativas são as diferenças.Na Babilônia a criação é resultado de luta entre os deuses. Aqui Deus é absoluto, diz e as coisas acontecem.
Os persas, que agora dominam a Babilônia, falam em demônios ou deuses maus, que criaram a matéria. Aqui Deus é quem cria e vê que tudo é bom, muito bom. A seta aponta: demônios não têm vez. O mundo material é bom, é coisa de Deus!
O sol, a lua e as estrelas lá são deuses, aqui são criados por Deus para servir ao homem, marcar as datas das festas. Lá deuses são cultuados em inúmeras imagens, aqui imagem de Deus é o ser humano, homem e mulher. Como a criatura mais perfeita de todas, o ser humano, mulher e homem, tem de ser criado por último, no topo de tudo, no sexto dia.
Uma seta, “O homem, modelado da argila, é o primeiro a ser criado” aponta nesta direção, o ser humano, tirado do pó do chão, é o centro do universo, tudo é criado para ele, nada existe sem ele, ele é inteligente e capaz de criar como Deus.
A outra seta, “Homem e mulher, imagem de Deus, é a última criação de Deus” aponta nesta direção: O ser humano é a criatura mais perfeita, superior a todos os animais, o ponto mais alto de toda a criação. Duas metas precisam de duas setas!
Pe. José Luiz Gonzaga do Prado
Tradutor da Bíblia da CNBB, Professor de Sagrada Escritura
01.03.2013