“O TEMPERO DA VIDA”

Tassos Boulmetis –

Grécia/Turquia. 2003

 

“O essencial é invisível aos olhos” ( A.S.Exupéry)

 

Deixemo-nos levar pelas cenas iniciais. São de sonho! A expressão do bebê que se alimenta no seio materno é a expressão da VIDA que se faz vida! Estar vivo é um sonho que não queremos que se acabe. E o espaço sideral mostra seu infinito! E as estrelas formam a Via Láctea; um anjo que nos guarda e nos aguarda! E nós, como uma sombrinha vermelha lançada no espaço sideral do viver, guardada pelo Dom da Vida, deixamo-nos levar pelo que está por vir. No entanto, a cada momento, a cada curva de esquina, a cada virada das relações pessoais, ou mesmo políticas e diplomáticas (que também nos atingem), temos que encontrar a especiaria que dará à Vida o tempero certo; ou mesmo o tempero errado, mas que é aquele que nos levará a provar outro sabor, e também outro olhar sobre o viver. É no idílico espaço sagrado da loja de especiarias que acontecem as delicadas e profundas conversas do avô Vassilis com seu neto Fanis; dali saíram as pérolas acima, e outras como a relação entre a Gastronomia e a Astronomia; o essencial que se oculta a nossos olhos: o tempero que dentro da comida-Vida faz dela o que ela é, e o invisível que está além das estrelas e da vida. Uma comida sem tempero é como um relacionamento sem discussão, ou um casamento sem música. Vemos muitas coisas; mas importa falar sobre as que não podemos ver, pois são elas que nos determinam e fazem a diferença no viver. E as famílias celebram a união, assim como a diversidade entre si, na partilha da refeição; e alusão é feita à “Última ceia”: o sagrado e o profano irmanados e irmanando as pessoas.


E sugestiva é a cena dos velhinhos buscando orientação espacial: onde fica a rua X? Sim, importa saber onde estamos, de onde viemos e para onde vamos; só assim se faz caminho! Mas no caminho, a panela de pressão pode estourar! Ser deportado é sair do porto inicial. Quando se deixa um lugar, é preciso falar sobre o que está por vir. Mas também é preciso saber que é possível olhar as mesmas estrelas, e que a mala da casinha de bonecas é a certeza da presença de Saime na vida de Fanis. E o caminho se fez! Mas um dia é preciso voltar! E Fanis volta e refaz seu caminho. E os grandes tempos da vida serão relembrados a partir dos pratos que compõem uma refeição.

Os antepastos: são como viagens a lugares distantes, distantes inclusive em nossa memória, lá onde nossa sensibilidade se compôs e nossa infância se fez. Aqui a presença dos cheiros e temperos, do avô, dos pais, familiares e Saime. O prato principal: é quando de menino, já em outras terras, foi criando molho para amenizar o prato, o seu cotidiano sem os mesmos amores de antes. Cozinhar era não esquecer de onde ele tinha vindo, e com quem sua sensibilidade se tinha feito (avô e a figura feminina da pequena Aise). Fanis cozinhava para Saime e Saime dançava para Fanis. E de adolescente passou a jovem, e virou homem. E conhece o amor. E o amor tempera a comida; e a comida tempera o amor. E aprendeu que é preciso esconder algumas coisas.


Com o tio, aprende que há dois tipos de viajantes: 1. Os que olham no mapa e partem; 2. Os que olham no espelho e voltam. E Fanis olhou no espelho e voltou para recompor sua história e dar a ela um outro tempero – A touch of spice. E se o que vemos no céu não são as estrelas, o que importa é que são as marcas que deixaram em sua passagem! E assim é preciso olhar a vida!


A sobremesa: é quando o agora, o momento presente, se revela a nós. É quando as almas se abrem como mexilhões no vapor. O avô não viria (foi para o aeroporto sem passaporte!), como nunca veio; ele não podia deixar o que ele era, e ele era sua História! E Fanis volta à Igreja; e ajuda a acender a vela, como um dia foi ajudado. E vai ao encontro de Saime; ambos guardaram os postais-lembranças que haviam trocado. Mas agora, é sua filha quem dança! E ambos compreendem, desde o mais profundo de sua alma, que ferimentos antigos são furtivos e têm vida própria, e que se pode evocar o passado, mas sem provocar; que não se deve olhar para trás, para que a imagem continue como promessa. Como levamos tempo para nos recuperar e resgatar questões profundas e antigas! Mas o importante e pleno de esperança é que a sobremesa suaviza os sons!


 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista – Espiritualidade Inaciana

28.03.2013