Diretor: Woody Allen –
EUA/França, 2009
“Vamos lá! Escreve!” Sou eu, conversando comigo mesma, mas dirigindo-me a vocês. “Manoelita, não deixe de escrever. Você pensou em coisas interessantes. Vá em frente!”. Sem dar-me conta, faço o mesmo que Woody Allen, conversando conosco, no início e no final do filme. Embora o ator não fosse ele, a gente sabe que era ele, não é mesmo?
Retomo minha conversa com vocês só agora, no dia seguinte à noite em que não produzi. Não lhes digo isso à toa. Digo-lhes porque, com certeza, isso não acontece só comigo: O que escrever? Por que? Para quem? Para que? O que fazer? Como ser? O que mostrar? O que viver?
Digamos, então, que é com esse olhar que podemos viver o filme. Cada um de nós, em algum momento, fêz-se perguntas para as quais não havia resposta de imediato. Como já me disseram: “O mal da pergunta é a resposta”. Pergunta é para ficar ecoando em nós, para que em nós faça caminho e nos leve para outras plagas, outros lugares em nós mesmos, e nos ajude a compreender melhor o que vivemos. Reproduzo o que li, agora cedinho: “É próprio de o mistério ser inesgotável; não é enigma que, decifrado, perde a graça. O Mistério envolve-nos, carrega-nos, dá-nos o sabor de aprofundarmos nele; e nele sempre mais nos adentramos, sem jamais esgotá-lo. Experimentamo-lo, carregando-o; mas, na verdade, é ele que nos conduz” (frei Walter).
Viver é um grande mistério! Vivamos, e na atenção, saboreemos tudo! E, vamos ao filme:
Não vou me lembrar dos diálogos, até porque sabemos como eles são rápidos e densos. Nada, em Woody Allen (WA), é supérfluo e superficial. Ele está o tempo todo nos confrontando com questões existenciais, filosóficas, religiosas, que estão entranhadas em nossas muitas relações e em nosso cotidiano. Por isso, não se trata de concordar ou não com ele, mas de sabermos que são questões do homem contemporâneo (ou de todos os tempos), imerso em dúvidas, incertezas e no desejo sempre presente de manter a esperança e de acreditar que “Tudo pode dar certo”. Creio que WA, no seu jeitão irônico preferiria: “Qualquer coisa sempre funciona” – “Whatever works”.
Não à toa, o nome da jovem é Melodie St. Ann Celestine. Ela vai dar a “melodia” do filme; todos os outros personagens surgirão a partir dela, que está como que em estado puro, virgem; está sem teto, tem fome, pede comida e abrigo; é ingênua, nada sabe, e não se ofende quando isso lhe é mostrado; seu olhar para cada um é de compreensão (inda que “naïf”); ela é leal, fiel, verdadeira, e expõe com franqueza e autenticidade seu sentir e pensar. Portanto, é no confronto com este lugar melodioso, santo (puro) e celestial (talvez nossa condição nascente, mas da qual nos distanciamos por condição do próprio viver relacional e humano) que a trama se fará. Boris Yetzinsky (uma gozação com Boris Sparsky, o invencível campeão de xadrez russo, e o presidente e palhaço Boris Yeltzin – observação de Izaak), vai dialogar é com essa parte do existir, representada em Melodie, e vai ser afetado na mesmice e rabugice em que se encontra. A mãe e o pai de Melodie, assim como os intelectuais, também serão afetados e incorporarão mudanças. Mas, não se fixem na opção de vida que se segue a esse sair da mesmice: a mãe com dois companheiros, o pai vivendo sua homossexualidade, e nem nos diálogos que questionam crença, religião, Deus. Lembrem-se de que uma mente genial e privilegiada, como a de WA, não iria criar uma obra como esta, abrangente e profunda, apenas para nos fazer conformes a estas ou aquelas idéias. O filme trata, sim, é da incerteza, do improvável, do inesperado; mostra a sincronicidade, o possível e o amor; tudo como condição necessária para a aceitação do outro, do repensar, do ser e fazer o quer que seja, para que “qualquer coisa possa sempre funcionar”. O fundamental é ter claro que repensar, fazer um outro caminho, é possível e necessário, mas que isso se dá dentro do território do improvável e do mistério do viver. Como disse Izaak: “O ‘todo’ (eu agrego: o viver) não é a junção das partes; o todo é o encontro entre elementos como um mosaico em que cada parte é importante, por mais ingênua, idiota, inculta, preconceituosa, erudita que seja (representado pela garota, pela mãe, pelo pai e pelos intelectuais).”.
Aproveitem o filme! Aproveitem os diálogos! Aproveitem o viver! Aproveitem o incerto!
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Psicanalista – Espiritualidade Inaciana