“E eis que a estrela que tinham vista no Oriente ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino” (Mt 2,9) 

 

Guiados pela estrela no céu e pela estrela de uma grande esperança no coração, os Magos começam a caminhar. Na sua busca, examinam o céu e auscultam o próprio coração. Porque buscam, empreendem o caminho. Põem-se a caminho porque tem perguntas e inquietações no coração. 

Caminharam juntos, em comunidade. Só ajudando-se e animando-se mutuamente, carregando o peso uns dos outros, durante o calor do dia e durante a escuridão da noite, é possível chegar à meta. O símbolo dominante no caminho é a Luz que, na Bíblia, é manifestação do mistério de Deus nas suas dimensões fundamentais de vizinhança (imanência) e de alteridade (transcendência).

A luz, de fato, está fora de nós, é exterior, impalpável, intocável; mas também está em nós e sobre nós, nos ilumina, individualiza, é vida e calor. Em sua etimologia, a palavra “epifania” nos fala de um “vir à luz”, de um “aparecer” que se mostra no brilho da aparência.

A palavra epifania nos fala, portanto, do brilhar de uma luz que se “des-cobre” a nós. Esta eclosão da luz, este “brilhar-para”, acontece em um momento que não provém de uma decisão nossa, mas de uma atenção nossa. 

O simbolismo da luz conduz-nos a uma outra imagem dominante na narração dos Magos, a espacial.

O quadro geográfico-espacial que decorre da narrativa de Mateus é denso: Oriente, Jerusalém, Belém, Judéia, Egito, Ramá, Galiléia, Nazaré. Mas não se trata apenas de um mapa topográfico. O espaço bíblico é dinâmico, é percorrido por um formigueiro de vida, de movimento... É a história de uma viagem arriscada, de um itinerário “abraâmico”,  que partiu, “mas sem saber para onde ía”. (Heb. ll,8).

Aqui se unem a história de Abraão e dos Magos, que deixam a pátria por uma terra desconhecida.

O que os olhos dos Magos vêem ao entrar na gruta é a fragilidade e a impotência de um recém-nascido. Mas o que esses mesmos olhos – acostumados a auscultar os céus e treinados no discernimento do que o coração sente – reconhecem, depois de guiados pela estrela e ilustrados pelas Escrituras, é o Esperado de todos os povos e de toda a Criação. O longo itinerário da busca de Deus só pode terminar na adoração e na entrega. 

Os Magos visitam e se vão; retomam a itinerância na fidelidade a uma estrela; isto significa novamente fazer a experiência da busca, da esperança... Toda viagem que culmina na manjedoura, é ponto de partida para novos caminhos. 

A viagem dos Magos se torna, assim, o símbolo da vida cristã, entendida como seguimento, como discipulado, como procura. Para chegar ao encontro com Deus é necessário atravessar, como eles, desertos escaldantes e noites escuras, desinstalar-se e romper com o convencional, vencer novos obstácu-los e refutar  velhos argumentos. Quem quer encontrar Deus, não pode ficar preso ao passado.

Precisa partir sempre de novo, com o coração cada vez mais leve, porque mais livre; mudando, cada manhã, o lugar, o modo de pensar, a maneira de esperar e a forma de viver. 

A viagem exige desapego, coragem, procura, esperança. Quem está preso à terra pelo peso das coisas, pelos apegos, pelos egoísmos, não é capaz de se tornar peregrino. Quem está convencido de possuir tudo, inclusive o monopólio da verdade, não tem a gana da procura contínua. Quem está bem instalado na cidade não precisa de Belém. 

Para chegar ao encontro com Jesus é necessário deixar-se comover pelos sinais percebidos e discernidos, é necessário deixar-se mover e guiar por eles ao longo de toda a caminhada. Quem parte impelido por esse dinamismo, é porque de alguma maneira já vislumbrou o que busca. Quem é movido por uma grande esperança, tem força e entusiasmo para deixar tudo e partir. 

Fazer estradas” é preciso. Caminhar consciente: nada está definido no caminho. Há rumos diversos e ritmos diferentes de andar. Em cada ser humano brilha uma luz que aponta para uma fonte e conduz a uma meta que o faz peregrinar. 

Se o caminhante é uma pessoa de fé, transforma-se em peregrina diante de horizontes abertos e futuros distantes. É um engano pensar que a chegada é a parte mais importante.  Em nossas entranhas, fomos feitos com “fome de estrada”. Nascemos com essa inquietude: nossa vida é uma longa jornada. “Quando descanso meus pés, minha mente também pára de funcionar”. (J.G. Hamann) 

Na pequena procissão dos Magos rumo à verdade e à luz, podemos ver a grande procissão da humanidade. Para todos é indispensável a procura, a viagem, o risco.  Ao fim da viagem, depois de muitas peripécias e muita escuridão, depois de silêncios e estradas erradas, eis que surge, para  todos, Belém. Para quem O procura de coração sincero, Deus se faz encontro. 

A estrela que guia nossa busca continua sempre apontando para mais verdade, mais entrega, mais justiça, mais comunhão. Ela continua a brilhar sempre no firmamento do coração. Sobre e em torno ao menino Jesus se projeta e se desenrola o grande duelo da história:

- à Belém, cidade de Davi se opõe Jerusalém, a cidade de Herodes;

- à busca homicida de Herodes, a busca amorosa dos Magos; ao medo sucede a alegria;

- a interrogação “onde está o rei dos judeus?” dá lugar ao festivo “viram o menino e sua mãe”;

- à noite se sobrepõe a estrela, que ilumina a escuridão; a estrela indica, mas desaparece;

- os sumos sacerdotes e os escribas conhecem a verdade sobre o Messias, mas não sabem reconhecê-   lo; a meta, Jerusalém, é substituída por “uma outra estrada” para a qual se encaminham os Magos                          

No deserto de nossas vidas, os mapas de estradas não são muito úteis.

Nós não temos necessidade de mapas; no deserto, onde não há mais estradas, para que servem os mapas? No deserto temos necessidade de bússolas e faróis. Podemos perder todos os mapas, todos os nossos pontos de referência, todas as nossas escalas, mas não podemos perder a bússola; não podemos perder a nossa orientação, a nossa orientação para a gruta. 

Isto é muito importante para nós quando estamos, muitas vezes, sem referência, porque neste momento temos de fazer uso de nossa bússola, isto é, do nosso coração. Um coração que busca o Senhor. 

Texto bíblico:  Mt 2,1-12           

Na oração:

- saber esperar é abrir-se para a revelação do mundo enquanto Epifania, luminosidade que se manifesta no mais comum e cotidiano de nossa vida. Neste momento o Mago nos visita, nos habita.

- O presente dos Magos é a aceitação e o reconhecimento da manifestação do Deus no presente.

- Esta Presença sempre presente só é recebida por aquele que, livre e despojado, se encontra diante da

   manjedoura, na plenitude da simplicidade. 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana-CEI