“Vós sois o sal da terra”; “vós sois a luz do mundo”

5º Dom. Tempo comum

 

A proclamação das Bem-aventuranças desemboca nesta constatação: quem as vive se converte automaticamente em “sal da terra e luz do mundo”. Trata-se de duas imagens profundamente eloquentes, que tem a ver com dois de nossos sentidos e que apontam para algo que todos aspiramos: o sabor e a luz.

As parábolas não precisam de explicação nem de comentário. Explicam-se por si mesmas. Exigem, isso sim, uma resposta vital do leitor ou ouvinte.

Se nos deixamos interpelar por elas, descobriremos uma nova dimensão da existência à qual somos convidados. Podemos aceitar o desafio ou rejeitá-lo. A parábola nos coloca frente uma alternativa: ou continuar como estávamos em nosso modo de viver, ou aceitar essa nova maneira de assumir a vida que elas nos sugerem. 

O texto do evangelho de hoje constitui uma das mais claras afirmações evangélicas de que a missão dos discípulos no mundo faz parte de sua própria identidade. Neles aparecem os traços fundamentais que caracterizam essa missão. “Vós sois” diz Jesus e não “vós deveis ser”, ou “tendes que converter em...”, ou “tendes o sal”. 

Eles são, querendo ou não, pela força do chamado que lhes foi dirigido. Sois. Esta palavra refere-se a toda sua existência. Quem segue Jesus Cristo, afetado pelo seu chamado, fica plenamente convertido em sal da terra e luz do mundo.

Devemos cair na conta de que não nos é pedido para salgar ou iluminar, mas ser sal, ser luz. O matiz tem sua importância. A missão fundamental de cada um está dentro dele mesmo,  não fora. A preocupação de cada um deve ser alcançar a plenitude humana. Se é sal, tudo o que ele toca ficará temperado. Se é luz, tudo ficará iluminado ao seu redor. Com demasiada frequência cremos ser sal e luz, mas sem dar-nos conta de que temos perdido toda capacidade de salgar e iluminar, porque somos sal insosso e luz extinta.

Embora o sal e a luz não tem nada em comum, há um aspecto no qual coincidem. Nenhuma das duas é proveitosa por si mesma. O sal sozinho não serve  para a saúde, só é útil quando acompanha os alimentos. A luz não é para ser vista; ela possibilita ter uma visão clara das coisas.

 

O sal e a luz tem duas formas diferentes de realizar sua ação: o sal remete a uma ação invisível; no entanto, próprio da luz é brilhar. De acordo com o texto, as formas de presença significadas pela luz e pelo sal não se eliminam; as duas são inseparáveis. Sal e luz são elementos expansivos; a importância não está neles mesmos, mas na relação com a realidade onde se fazem presentes: o sal realça o sabor dos alimentos; a luz revela a realidade escondida na escuridão.

O significado é tão simples como profundo: o sal serve para que os alimentos tenham seu sabor; a luz serve para que se possa ver o que já existe. Ambos tem uma só função: servir para que outras coisas sejam válidas, para que sejam o que são. Ser sal e luz é ressaltar e potenciar tudo o que é positivo na vida humana.

O simbolismo do sal aqui é extraordinário: ele não pode salgar a si mesmo. Sua capacidade não lhe é útil para nada. Mas é imprescindível para os outros. É para ser acrescentado a outro alimento, é para ressaltar seu sabor. O humilde sal é feito para os outros, para que os outros sejam eles mesmos. Ele garante o sabor, com a condição de que se dissolva.

O sal é um dos produtos mais simples, mas também mais imprescindíveis para nossa alimentação. Suas propriedades são principalmente duas: dá sabor à comida e conserva os alimentos.

O sal atua no anonimato. Se um alimento tem a quantidade precisa, passa desapercebido, ninguém se lembra do sal. Quando a um alimento lhe falta sal ou tem demasiado, então nos lembramos dele. Não se pode comê-lo diretamente. Se não há comida, o sal é simplesmente veneno. O que importa não é o sal, mas a comida temperada com sal. Quando a comida tem excesso de sal se faz intragável. A dose tem que estar bem calculada.

O tema da luz é muito frequente na Bíblia. Partindo de um dado experimental, descobre-se sua importância para o desenvolvimento da vida. Não só porque a luz é imprescindível para a vida, mas porque o ser humano não pode desenvolver-se na escuridão. Daí que a luz tenha se convertido no símbolo da vida mesma e de tudo o que a rodeia. Assim como a escuridão se converteu no símbolo da morte e de tudo o que a provoca.

A escuridão nos paralisa; tudo está aí, mas não podemos nem nos mover. A pequena luz põe as coisas em seu devido lugar, nos faz capaz de contemplar a beleza presente em tudo. É como o primeiro momento da Criação: “Faça-se a luz”, e a partir daí o caos foi se transformando em cosmos.

Um pouco antes Mateus nos havia dito que Jesus era “a luz que brilhou na Galileia” (4,16). Agora, afirma-se que é luz todo aquele que encarna o espírito das bem-aventuranças. Ou seja, somos luz, como Jesus, na medida em que, esvaziando-nos de nosso eu, permitimos simplesmente que a luz “passe” através de nós sem encontrar obstáculo.

“Deus é luz e nele não há treva alguma” (1Jo 1,5). Deus revela, potencia, ilumina, dá sabor. A pessoa que vive descentrada de si mesma torna-se um canal por onde passa a mesma luz divina. Não a impede, não a retém e nem se apropria dela, mas permite que a Luz divina ilumine tudo. 

Ser luz, significa explorar nossas possibilidades humanas e espirituais e pôr toda essa riqueza a serviço dos demais. Devemos ter cuidado de iluminar, sem deslumbrar. Ninguém é “a” luz,  senão que tem um pouco de luz. E todos compartilhamos mutuamente a luz que vem de Deus. Nossa pequena luz reforça e ativa a luz presente no outro.

Não podemos esquecer outro aspecto importante nas duas imagens usadas por Jesus. O sal, para salgar, tem que desfazer-se, dissolver-se, deixar de ser o que era. A lamparina ou a vela produzem luz, mas o azeite ou a cera se consomem.

No último parágrafo da passagem evangélica de hoje há um ensinamento esclarecedor. Como devemos ser sal e luz? “Para que vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai”. A única maneira eficaz para transmitir a mensagem é a ação, são as obras. Uma atitude verdadeiramente evangélica se transformará inevitavelmente em obras.

 

 Texto bíblico:  Mt 5,13-16

 

Na oração: “O amadurecimento da experiência e uma visão de fé mais profunda evidenciam a grande Luz que nos precede, acompanha e segue no percurso da vida”.

Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI

04.02.2014