“Os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados, porque ela mostrou muito amor” (Lc. 7,47)
11º Dom. Tempo Comum
S. Lucas, o evangelista da misericórdia, não explica como uma mulher pecadora, conhecida de todos, conseguiu entrar na casa de Simão, justamente no momento mais íntimo de uma ceia com Jesus. No entanto, a entrada brusca daquela mulher deixa transparecer o transtorno e o desconcerto suscitados em Simão e nos outros convidados.
O relato de Lucas põe em confronto duas maneiras diferentes de reagir perante a “mulher pecadora”: uma, de acolhida e proximidade; outra, de julgamento e distância. De um lado, os olhares questionadores dos convivas se voltam para Jesus, convidado de honra para a ceia; de outro, a atenção repreensiva concentra-se sobre a mulher pecadora, que ousou entrar no recinto sem pedir licença. O fariseu preocupa-se com a presença de uma pecadora em sua casa, e, além disso, fica desiludido a respeito de Jesus, que considerava profeta e mestre. Fica chocado com o fato de que Jesus se deixar tocar por uma prostituta.
Enquanto isso, entre o Mestre e a mulher se instaura uma surpreendente compreensão e acolhida; ela, sem se preocupar com nada e nem com ninguém, aproxima-se do protagonista do banquete: Jesus. Dirige-se a Ele e curva-se a seus pés, banha-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos e perfuma-os com o óleo precioso que levava consigo. Todos os seus gestos levam a intuir que algo de extraordinário havia acontecido em sua vida. Jesus, por sua vez, sem expressar um mínimo de censura, permite àquela mulher realizar o que seu coração lhe sugeria; certamente ela O estava seguindo de longe, havia algum tempo, esperando uma oportunidade especial para aproximar-se d’Ele.
Silenciosamente, abandona-se à eloquência de seus gestos, que iam além de qualquer palavra, que expressavam o envolvimento de toda a sua vida na nova relação, criada em seu coração pela presença de Jesus. De fato, a pecadora, mesmo sentindo-se condenada por Simão e pelos seus amigos, encontrou e descobriu, nas palavras e na pessoa de Jesus, de modo novo e fascinante, o rosto misericordioso de Deus, a ponto de sentir seu abraço paterno. Ela sentiu-se seduzida por Jesus, o “justo”, o amigo dos publicanos e dos pecadores.
O modo como Jesus se coloca em relação com a pecadora permite a esta mulher fazer da sua vida de erros um trampolim para a sua humanização. Jesus não contabiliza os pecados, porque esta mulher demonstra com seus gestos o quanto ama. Jesus não classifica as pessoas em puros e impuros. Ele abraça a realidade em sua totalidade, integrando-a.
O passado da pecadora não cria obstáculos à aceitação de sua conduta presente. Os erros, os “numerosos pecados” da prostituta parecem agora libertá-la, dispondo-a a uma experiência de compaixão profunda por si mesma. Ela acolhe e celebra a vida em sua totalidade. A aceitação restabeleceu sua vida. Não foi o passado de erros que determinou a atitude de Jesus para com esta mulher, e sim sua conduta no presente.
Jesus tem um coração expansivo, voltado para todas as direções, onde quer que se encontre a realidade limitada e frágil. O encontro com Ele não desperta sentimentos de culpa; as pessoas podem retirar-se em paz. Jesus faz da misericórdia o verdadeiro evento divino. Nele, a misericórdia torna-se o elemento constitutivo não só do divino, mas também do humano.
Na casa de Simão, aquela mulher não fala e não mostra o seu rosto. Mas, seus gestos manifestam a onipotência do amor daquele Mestre que, como verdadeiro profeta, sabe ler no fundo do coração das pessoas que encontra.
Nas lágrimas daquela mulher brilha a predileção de Jesus pelos pobres e pecadores; nos seus cabelos se nota a ternura envolvente do Mestre; no perfume derramado em seus pés, experimenta-se a nova parábola da gratuidade do amor insaciável de Deus, sem condições e sem exigências.
Enquanto os comensais não entendem a ternura e a acolhida de Jesus para com a pecadora, a mulher, ao contrário, conhece o mistério inefável do amor e abandona-se a ele. Libertada de seus pecados e amada, a mulher deixa a casa de Simão, levando consigo no coração um dom inesperado: o perdão, que a inunda de paz e alegria. A pecadora, atraída pelo amor terno e misericordioso de Jesus, finalmente experimenta a gratuidade e a doçura do perdão para consigo.
A pecadora muda a sua vida quando percebe ser amada por um amor envolvente, gratuito, antecipado. Assim, ela se torna uma nova parábola da ternura e da misericórdia. Por outro lado, Jesus desvela a maneira medíocre de amar do fariseu, desprovido de piedade e calculista no julgamento. O fariseu perfeito tem comportamento frio, legalista, insensível, indiferente, rígido.
O perfeccionista é um ser anestesiado. Severo consigo mesmo, exigente e rigoroso com os outros. Aquele que procura a perfeição não só se distancia dos outros como também se distancia de si mesmo. Não há perfeccionista que não seja inquisidor, nem inquisidor que não seja perfeccionista.
A tendência à perfeição oprime a pessoa até sufocá-la; sendo excessivamente exigente, oprime e sufoca também os outros. Por isso, a tendência à perfeição é uma doença do espírito, um eu em conflito consigo mesmo. O perfeccionista vive uma batalha interior, uma batalha que jamais se vence. Quem se deixa guiar pela ideia de perfeição, cedo se dará conta de que não poderá abraçar a vida. Permanecerá confinado num eu inchado e vazio, que caminha sobre pernas de barro.
É por isso que Simão, bom conhecedor e observante da Lei, sente um autêntico embaraço pela situação inesperada que se criou: um acúmulo de pensamentos, sentimentos e juízos agitam o seu coração. A presença de Jesus cria-lhe problemas, coloca em risco o seu prestígio, a sua reputação. Certamente, sua estima para com Jesus, considerado e admirado por todos, começa a diminuir.
Jesus capta o que o fariseu “estava refletindo” e narra ao anfitrião uma história cuja intenção é por em evidência um sentimento profundo, uma atitude compassiva. Jesus tenta abrir, não a razão do fariseu, que já está aberta (“julgaste bem”), mas sim seu coração, que ainda está fechado. Jesus compartilha a experiência em que se sentiu pessoalmente “tocado” em profundidade. Ele pede um tipo de compreensão compassiva face ao que está ocorrendo frente a todos.
Simão, o fariseu, está presenciando algo que tem correlação com o Deus que Jesus anuncia. A perturbação e o desconcerto do fariseu nascem no momento em que se dava conta da ternura e compaixão demonstradas por Jesus a uma pecadora. Jesus ama Simão e a mulher por aquilo que são. Entre ambos, porém, a pecadora se sente mais amada e perdoada, mesmo sem ter nenhum merecimento.
Texto bíblico: Lc. 7,36-50
Na oração: Quais são as “marcas da perfeição” impregnadas no seu interior pela formação familiar, pela religião, pela cultura...? É possível fomentar a autoestima, desenvolver e realizar o melhor de si sem se ver preso pelo mecanismo da perfeição?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana –CEI
13.06.2013