“E enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu” (Lc. 24,51

 

 

Ressurreição, Ascensão, sentar-se à direita de Deus, envio do Espírito Santo, são todas realidades pascais. O Mistério Pascal é tão rico e tão denso que não podemos abarcá-lo somente com uma imagem; por isso precisamos desdobrá-lo para poder experiênciá-lo de uma maneira mais profunda.

 

Celebrar a Ascensão de Jesus não significa, para os cristãos, algo diferente que celebrar sua Ressurreição. São só diferentes nomes para referir-se à mesma realidade: que, ao morrer, tanto Jesus como nós, mergulhamos na Vida de Deus.

 

Lucas, em seu Evangelho, põe todas as aparições e a Ascensão no mesmo dia. No entanto, nos Atos dos Apóstolos, ele fala de quarenta dias de permanência de Jesus com seus discípulos, provavelmente como um modo de indicar que eles haviam recebido a formação necessária para levar adiante a missão (“quarenta dias” com o mestre era o tempo que o discípulo precisava para alcançar uma preparação adequada).

 

A fé na Ascensão não é aceitar que uma pessoa “subiu” aos céus. É aceitar que Jesus é o sentido de tudo, a revelação de Deus e do sentido da existência: Ele é o Senhor. A Ascensão de Jesus não significa evasão aos céus - “Homens da Galiléia, por que estais aí a olhar o céu?” (At. 1,11) – mas imersão na vida. Aquele que Vive não escapou do mundo; sua Ascensão significa sua extensão e presença no universo inteiro, plenificando tudo em todos; Ele agora assume todos os rostos, identifica-se com toda a humanidade e continua a caminhar pelas Galiléias dos excluídos, das periferias, dos pobres... Acampa junto aqueles que vivem às margens.

 

O movimento desencadeado por Aquele que Vive é um movimento que reúne para dar vida, para restaurar vínculos rompidos, libertar as ataduras que escravizam...

 

Nos relatos da Ascensão, normalmente nos preocupa muito saber o lugar de onde Jesus subiu aos céus e para onde Ele foi; mas o que importa é que nosso destino é Deus e Jesus revela a grandeza do ser humano capaz de alcançar a divindade.

 

Pela sua Ascensão, Jesus Cristo acolheu tudo quanto é humano e desta maneira o redimiu. Ele “subiu” ao céu porque “desceu” às profundezas da terra. E assim também nos mostrou o caminho. Não podemos subir ao céu se não estivermos dispostos a descer com Cristo ao nosso “húmus”, às nossas sombras, à condição terrena, ao inconsciente, à nossa fraqueza humana.

 

Nós “subimos” a Deus quando “descemos” à nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e da humildade, da mansidão e da misericórdia; é o caminho de Jesus também para nós. O coração, a quem não é estranho nada do que é “humano”, alarga-se, enche-se do amor de Deus, que transforma todo o humano. O caminho da humildade é o caminho da transformação. Ao fazer, junto com Jesus Cristo, o caminho da “descida”, o ser humano vai ao encontro de sua realidade e coloca-se diante de Deus para que Ele transforme em amor tudo quanto existe nele, para que ele seja totalmente perpassado pelo Espírito de Deus.

 

Sabemos que Deus nos fala não só através da Bíblia, da Igreja, dos acontecimentos, da Criação... mas também através de nós mesmos, daquilo que nós pensamos e sentimos, através de nosso corpo, de nossos sonhos, e ainda através de nossas feridas e de nossas fraquezas... O “subir”  até Deus passa pelo “descer”  até às profundezas da nossa própria realidade pessoal. Se com Cristo quisermos subir ao Pai, temos primeiro que descer com Ele à terra, afundar os pés na nossa própria condição humana.

 

Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.

 

“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova fonte para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.

 

Nós somos o solo, o húmus, onde Deus, com mãos criativas, vai nos modelando e nos fazendo mais humanos. À medida que nos aceitamos e nos acolhemos como húmus, mergulhamos na graça de Deus. Quem “desce” até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e terrena e se reconcilia com ela, este sim, está subindo para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.

 

A vida cristã não é “subida” para fora da realidade, mas “descida” para o mais profundo da mesma. Entramos no movimento da Ascensão quando amamos, servimos, cuidamos...; nós nos elevamos quando lutamos por uma causa, investimos a vida num projeto.  Ao deixar-nos conduzir pelo Espírito, rompemos com nossos lugares estreitos, vivemos a expansão de nós mesmos, tornamo-nos universais....

 

Essa ascensão não pode ser feita às custas dos outros, mas servindo a todos. Como Jesus, a única maneira de alcançar a plenitude é descendo para o mais profundo. Aquele que mais “desceu” é Aquele que mais alto “subiu”. Entender a “subida” de Jesus como uma subida física é muito atraente. Os dirigentes judeus preferiram um Jesus morto. Muitos de nós preferimos um Jesus “nos céus”. Em ambas situações seria uma estratégia para tirá-lo de nosso meio.

 

Descobri-lo dentro de nós e nos outros é muito exigente e comprometedor. É muito mais cômodo continuar “olhando para o céu” e não sentirmos implicados com aquilo que está acontecendo ao nosso redor. Por isso, Ascensão é missão; é “descer” da montanha para as periferias da nossa Galiléia (periferias existenciais, sociais, religiosas...) e ali prolongar a atividade libertadora de Jesus.

 

A Ascensão ocorre toda vez que, vivendo o Presente, transcendemos os limites temporais e nos experimentamos “ser em Deus”. Nestes momentos, nos alcança a Plenitude e saboreamos a Alegria.

Ao mergulhar na realidade, interna e externa, nos esbarramos n’Ele, o Ressuscitado.

 

Textos bíblicos:  Atos 1,1-11 Lc. 24,46-53

 

Na oração:  A espiritualidade cristã nos ensina o caminho através do  qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece.

 

Para realizar-nos e desenvolver toda a nossa potencialidade, busquemos, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de nosso ser, o núcleo original de nossa personalidade. É no mais íntimo de nós que rezamos ao Senhor. É no mais profundo de nossa interioridade que escutamos o Senhor. Deixemo-nos invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”. 

 

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI

10.05.2013