
“Quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 18,14)
No seu inspirado ensinamento, são impactantes os diferentes personagens que Jesus apresentou como modelos de vida e que eram, social e religiosamente, considerados “impuros” e “imperfeitos” entre os membros daquela comunidade judaica que resistia acolher a sua mensagem de amor e seu chamado libertador.
Por outro lado, Jesus denunciou com severidade as atitudes dos fariseus, porque eram exigentes, rigoristas, tradicionalistas, intolerantes, sentindo-se superiores aos demais. Não sentiam a necessidade de se converterem e de restabelecerem a fraternidade com aqueles que não eram de seu grupo.
Com frequência, pessoas assim são desumanas, pouco compassivas, aferram-se às suas opiniões e desprezam os outros. Sua autossuficiência lhes impede se reconhecerem como filhos de Deus e irmãos dos outros, porque Deus só pode ser reconhecido de verdade nos outros e através dos outros e, de uma maneira muito especial, no rosto dos mais oprimidos deste mundo.
A indiferença, o julgamento, a intolerância e a “imagem aureolada” de si mesmo que exige méritos, são sinais distintivos de um ego inflado em seu modo de se situar na vida e na religião. O ego é incapaz de compaixão e de empatia: vive fechado em sua couraça de necessidades e de medos, empenhando-se por conseguir uma existência agradável para si, à margem de qualquer outro critério. E a religião tem sido um campo fértil para a manifestação das mazelas de um ego prepotente, julgador, rigorista, vazio de vida.
A parábola contada por Jesus revela que o fariseu é um observante escrupuloso da lei e um praticante fiel de sua religião. Sente-se seguro no templo. Ora de pé e com a cabeça erguida. Sua oração é autocentrada: uma oração de louvor e ação de graças a Deus, mas não lhe dá graças por Sua grandeza, Sua bondade ou misericórdia, mas pela própria grandeza e por aquilo que realiza.
Ele pensa que pode “ficar de pé” diante de Deus, que pode estabelecer o confronto sem problemas, como de igual para igual. O fariseu não suplica a Deus e nem tem necessidade de ouví-Lo; já eliminou as distâncias com as suas palavras e se ilude de ter uma linha direta com o Altíssimo.
Em 2º lugar, o fariseu despreza os outros. Como ele se considera perfeito e não vê nenhuma falha em si mesmo, considera-se superior aos outros. Ao mesmo tempo que se autoelogia, critica e despreza os outros. De fato, não descobre nenhum projeto divino sobre si, basta-lhe saber que é melhor que todos.
Na realidade, de acordo com o evangelho deste domingo, a oração é o lugar privilegiado onde cada pessoa deixa transparecer sua identidade; a oração é reveladora de quem é o ser humano. Observamos uma falsidade na oração do fariseu. Mais que orar, este homem se contempla a si mesmo. Narra sua própria história cheia de méritos. Necessita sentir-se com créditos diante de Deus e exibir-se como superior aos outros.
Na verdade, este homem não sabe o que é orar. Não reconhece a grandeza misteriosa de Deus nem confessa sua própria pequenez. Busca a Deus para enumerar diante d’Ele suas “boas obras” e despreza os outros: isso é próprio dos perfeccionistas e legalistas. Por detrás de sua aparente piedade se esconde uma oração “ateia”. Este homem não precisa de Deus, não lhe pede nada; na sua soberba, basta-se a si mesmo.
Em sua oração, o fariseu aparece centrado em si mesmo, naquilo que faz. Sabe o que ele não é: ladrão, injusto ou adúltero; nem tampouco é como o publicano, mas não sabe quem é ele na realidade. A parábola nos leva a reconhecer quem de fato ele é, precisamente não pelo que faz (jejuar, pagar o dízimo...), mas pelo que deixa de fazer (relacionar-se bem com os outros).
A oração do publicano, no entanto, é muito diferente. Sabe que sua presença no templo é malvista por todos. Seu ofício de cobrador de impostos é odiado e desprezado. Não se desculpa; reconhece que é pecador. Suas batidas no peito e as poucas palavras que sussurra já dizem tudo: “Meu Deus, tem compaixão de mim que sou pecador!”.
Este homem sabe que não pode vangloriar-se. Não tem nada que oferecer a Deus, mas sim muito que receber d’Ele: seu perdão e sua misericórdia. Em sua oração há autenticidade. Este homem é pecador, mas está no caminho da verdade.
O fariseu não se encontra com Deus, mas com seu ego inflado. O publicano, pelo contrário, encontra a atitude correta diante de Deus: a atitude daquele que não tem nada e necessita tudo. Não se detém sequer a confessar com detalhe suas culpas. Reconhece-se pecador. Dessa consciência brota sua oração: “Tem compaixão deste pecador!”. Por estar longe de sua própria verdade, o fariseu não pode viver a prazerosa gratuidade – está esperando uma recompensa – e cai no desprezo do outro. Pelo contrário, o publicano apoia-se na verdade sobre si mesmo; e é a verdade que o salva e o reconcilia.
Jesus era um profundo conhecedor da condição humana; sabia que a pessoa consciente das suas imperfeições é mais disponível para acolher o anúncio do Reino. Sabemos que as escolhas de Jesus não caíram sobre os chamados “perfeitos”. As pessoas com quem Ele entrou em contato não eram conhecidas por suas boas maneiras nem por práticas religiosas; antes, eram pecadoras públicas.
A parábola narrada por Jesus tem força para desmascarar atitudes egóicas e que nos distanciam dos outros e do próprio Deus. Por “delicadeza”, ou para satisfazer os outros, ou por viver dependente da autoimagem aureolada, ou alimentar a perfeição..., podemos perder a vida, nossa vida tão bela, tão frágil e efêmera.
Somente quando integrarmos e nos reconciliarmos com os aspectos de nós mesmos que tínhamos negado ou até rejeitado, poderemos alcançar a paz e a harmonia estáveis. Portanto, nosso esforço não consiste em sermos “perfeitos”, mas “completos”. Na medida em que somos mais “completos”, porque acolhemos de maneira integral toda a nossa verdade, vamos nos tornando mais compassivos e humanos.
O que Deus quer de nós não pode ser conhecido por meio da busca da perfeição e das altas exigências que estabelecemos para nós mesmos. Pois é nisso que justamente se manifesta a nossa ambição. Queremos alcançar altos ideais para darmos a impressão de estar bem diante dos outros e, também, diante de Deus.
É esse modelo de perfeição que gerou demasiado sofrimento inútil, causando verdadeiros estragos na vivência do seguimento de Jesus. Gostaríamos de ser pessoas fortes, perfeitas, ascetas virtuosos; sonhamos ser onipotentes, “feitos para vencer” ... Na realidade, estamos mais preocupados com a própria glória, poder e perfeição que com a glória de Deus.
E aqui nos deparamos com uma das práticas mais comuns e universais do ser humano: a justificação. Buscar continuamente argumentos para esconder nossas fragilidades e incoerências. Somos peritos em alimentar um “fariseu” dentro de nós, com a lei na mão e rigidez no coração.
Elaboramos discursos e mais discursos para nos autoconvencer e convencer os outros daquilo que julgamos que somos. Tanto esforço para nada. Impossível cobrir a verdade tão simples como evidente daquilo que, na realidade, somos: “pobres pecadores(as)”.
O “fariseu”, que todos hospedamos em nosso interior, realiza seu trabalho em silêncio, mas com uma eficácia impressionante: torna o nosso coração impermeável à experiência divina e petrifica nossa compaixão na relação com os outros.
O publicano, por outro lado, nos revela que basta redescobrir o caminho da humildade (do húmus), bem no fundo de nós mesmos: este é o lugar da oração. E quanto mais baixo for o ponto de partida, tanto mais alta ela vai subir... A salvação que esperamos não é fruto de nosso esforço e penitências, de nossa prática legal e de nossas virtudes perfeitas. Ela é puro dom de Deus, divino presente de seu coração de Pai. Só nos resta acolhê-la em atitude de humilde gratidão.
Texto bíblico: Lc 18,9-14
Na oração: A humildade é a coragem de acolher a verdade sobre si mesmo; ela é o caminho para Deus; ela é a resposta para a experiência de Deus; ela é o lugar onde nós podemos ir ao encontro do Deus verdadeiro. A humildade é acolher as próprias fragilidades e alargar o espaço interior para que o Infinito possa atuar livremente nas “fendas” de nossa existência.
- Trazer à memória os possíveis sintomas da presença do “fariseu” em sua relação com os outros: rigidez, julgamento, legalismo, perfeccionismo, indiferença, religiosidade autocentrada...
Pe. Adroaldo Palaoro sj
23.10.2025
imagem: James Tissot




