“Naquela região, havia uns pastores que passavam a noite nos campos...; a glória do Senhor os envolveu em luz” (Lc 2,8-9)
O evento do Nascimento de Jesus, o anúncio deste acontecimento e a resposta a este anúncio acontecem na noite, na pobreza, na pequenez. Alguém, na noite profunda, nasce para nós: agitam-se os acampamentos noturnos daqueles que aguardam o dia.
Na noite irrompe a luz, no silêncio ressoam o canto e a festa, na gruta surge a Vida. A noite é justamente o lugar do amor, o ventre do mistério, o tempo da concepção e do “natal”, o momento do encontro, do espanto e da acolhida. A luz daquela noite calmamente ilumina e dá sentido a tantos pensamentos e a tantas expectativas. A noite permanece, mas torna-se finalmente compreensível, fascinante, eloqüente...
Contemplando a noite do Natal, o coração se alarga até o assombro, os braços se abrem para a acolhida, os olhos se aquecem ao reconhecer Àquele que, como criança, veio ao nosso encontro. Nas sombras das cidades Ele se faz encontrar, na solidão revela sua presença, na fragilidade mostra seu rosto.
O Menino de Belém nos é doado simplesmente como Luz na noite, como canto de louvor que interrompe o silêncio, como paz que nasce da experiência de sentir-se amado.
Na noite, o Senhor da História se faz história, o divino se faz humano, o Silêncio torna-se Palavra e o Verbo se faz Criança. O dia não chega de improviso; também não é fácil reconhecer o instante preciso em que isso começa, assim como não cresce improvisamente a vida no ventre de uma mulher.
Naquela noite, a atitude de velar mantém os pastores em estado de atenção: vigilantes, eles conservam seus olhos abertos e oferecem mutuamente calor e companhia. Em um primeiro momento, ao receber tanta luz de uma vez só, ela os cega e o medo se apodera deles. Mas, depois do encontro com a Luz e retornando aos seus lugares, levam consigo a frágil e exultante tranqüilidade do Menino. Assim, aquele encontro se transforma num festivo canto de louvor pela experiência vivida.
Eles agora são criaturas novas, não são mais como antes. O anúncio ouvido na noite deu-lhes a conhecer a fidelidade da “Palavra que se fez carne”, manifestada no Menino de Belém. A história da humanidade ganha sentido e orientação somente à luz deste evento natalício; Luz que vem do alto e ressoa dentro, no silêncio e na noite do caminho, como um canto de alegria e um anúncio de paz. Sobre o Menino se inclina sua Mãe, em silêncio: o Amor não precisa de palavras para ser entendido. Na noite Ele vem; no vento pronuncia o nosso nome; na cidade dos homens se deixa acolher; na solidão revela sua presença; na fragilidade se faz encontrar...
Natal é a irrupção da Luz. Com seu nascimento, Jesus dissipa as sombras do mundo, enche a Noite Santa de um fulgor celestial e difunde sobre o rosto dos homens e mulheres o esplendor da Beleza de Deus Pai.
Em torno ao Menino Jesus, movem-se personagens obscuros e outros tocados pela luz. Aqueles que não são capazes de vê-lo serão também aqueles que o rejeitarão mais tarde.
A luz, de fato, está fora de nós, é exterior, impalpável, intocável; mas também está em nós e sobre nós, nos ilumina, individualiza, é vida e calor. Sempre que temos a possibilidade de “mais luz” em nossa vida, também rondam os medos e, muitas vezes, toda transformação se encontra bloqueada pelo medo. Mas, uma vez que a Luz do Menino nos toca, iluminando nossas dimensões sombrias, já não podemos retornar aos nossos lugares do mesmo modo: passamos a carregar em nosso interior uma Presença que nos plenifica. Tudo fica transformado pela irradiação da Luz que emerge a partir de dentro, iluminando todos os lugares por onde passamos e revelando a dignidade e a beleza de tudo e de todos. Diante de tal Luz, nós nos tornamos “lugar iluminado”; e a vida inteira passa a ser presépio, gruta, espaço sem limites onde acolher os outros.
A ação de Deus provoca um “deslocamento” geográfico, social, religioso..., e todo aquele que pretende encontrar-se com Jesus terá de dar meia-volta e peregrinar em direção às “margens”. O Senhor vem!..., em meio à noite de nossa existência. Na sua direção põe-se a caminho os simples, os pobres, os excluídos, os últimos: somente eles tem olhos capazes de reconhecer... a Luz; a Ele vão todos os que, em seu coração, lançam-se a uma busca aberta: somente quem deseja a Luz pode ver o brilho nos olhos do Menino de Belém! Na presença dele tudo é iluminado, tudo é aceito, tudo encontra seu lugar, nada é recusado.
Natal, noite dos “excessos”; a noite de Belém teve muito “disso”, ou seja, de exceder-se e transbordar, de ultrapassar todos os limites, todas as medidas, todo o conveniente, todo o adequado: escuridão inundada de
resplendor, silêncio explodindo em hinos, pastores correndo em busca do Pastor, uma gruta transformada em templo aberto... Em palavras de Efrém de Nísive (séc. IV): o Grande se fazia pequeno, o Silencioso se tornava Palavra, o Senhor se transformou em servo, o Sentinela permanecia adormecido sobre um presépio.
Para transitar na noite de nosso tempo precisamos buscar na Gruta de Belém a Luz que a ilumine e nos indique a direção e o sentido de nossa existência. A noite pede pessoas marcadas pela experiência natalina, capazes de ver a presença do Menino Deus no meio das realidades simples e cotidianas, no profundo do coração de cada ser humano, de cada realidade vivente, de cada palmo de nossa terra, no mistério insondável do universo grávido de graça.
Precisamos cultivar não só olhos que vejam a realidade, senão que sejam capazes de contemplar, no meio da noite, a presença da Luz: uma luz que brota das profundezas da realidade, do profundo do ser onde o Deus, fonte de vida, sustenta tudo; uma luz que nos faz descobrir nosso ser essencial: filhos e filhas amados(as) e irmanados(as) com todos e com tudo.
Certamente, nosso mundo está envolvido em muitas trevas (intolerâncias, violências, preconceitos...) mas, no meio delas, permanece acesa uma luz de humanismo e de esperança, porque só Deus pode fazer-se tão humano e suscitar em nós sentimentos de bondade e de fraternidade. S. João, no prólogo do seu evangelho afirma que as trevas não conseguiram apagar a Luz; é a luz que brilha em meio às trevas. Também no primeiro Natal a luz brilhou no meio das trevas da prepotência e opressão do Império Romano, no meio da hipocrisia dos sacerdotes e fariseus, no meio da crueldade do rei Herodes, no meio da indiferença dos vizinhos que não lhe deram pousada e não o receberam. Os pastores, sim, captaram esta Luz.
Natal é Jesus no meio de nós, Deus-conosco, Deus Menino que nos acompanha sempre. Não nos deixemos roubar esta esperança porque a Luz do Natal antecipa a luz da Páscoa da Ressurreição e vence as trevas de nosso mundo. Mesmo que seja uma luz tão pequena...
Texto bíblico: Lc 2,1-14
Na oração: Nesta noite, a mais clara, redescobrir que o sentido de nossa vida não é outro que ser luz e levar luz a tantos ambientes envoltos nas trevas da violência e da morte, ativando a luz presente no interior de cada pessoa; redescobrir que o sentido de nossa existência está em esvaziarmos de nós mesmos para que o amor chegue puro e limpo a todos; reencontrar o sentido de nossa vida, ou seja, servindo, para que todos cheguem à Gruta de Belém, o único lugar onde não há excluídos.
Que a Luz Natalina brilhe e se faça presente nos corações e em todos os lares e comunidades.
Pe. Adroaldo Palaoro sj