“Atenção! Tomai cuidado com todo tipo de ganância” Lc 12,15)

No caminho para Jerusalém, por entre incidentes, encontros e palavras que aquecem a viagem, o evangelista Lucas aproveita dos diferentes episódios para nos revelar como Jesus vai formando seus (suas) discípulos(as) no verdadeiro seguimento. No domingo passado, aprendemos a orar com Jesus; no próximo domingo, seremos motivados a alimentar uma atitude de vigilância frente às responsabilidades que nos são confiadas; neste domingo, o evangelho ensina a nos preservar das falsas seguranças, que consistem em acumular bens materiais para si mesmo, em vez de compartilhá-los com os outros. 

A questão que nos é colocada é a seguinte: queremos nos tornar ricos de celeiros ou de coração?

O relato tem duas partes: na primeira, Jesus se nega a ser árbitro em um conflito de herança; na segunda, Ele nos adverte do risco de centrar nossa vida em buscar segurança nos bens terrenos, distanciando-nos do verdadeiro sentido de nossa existência. 

Expandir a verdadeira Vida não depende de ter mais ou menos, mas de ser. 

Se o primeiro objetivo de todo ser humano é ativar ao máximo sua humanidade e o evangelho nos diz que ter mais não nos faz mais humanos, a conclusão é muito simples: a posse de bens de qualquer tipo, não pode ser o objetivo último de nenhum ser humano. A armadilha de nossa sociedade de consumo está nisso: quanto maior capacidade de satisfazer necessidades nós temos, maior número de novas necessidades despertamos; com isso, não há possibilidade alguma de marcar um limite. Já os antigos santos padres diziam que o objetivo da vida não é aumentar as necessidades, mas fazer com que essas diminuam cada dia que passa. Esse seria o sentido inspirador da vida, ou seja, vida descentrada, oblativa, aberta... 

É muito difícil manter um equilíbrio nesta matéria. Não há nada de mal buscar nível melhor de vida. Deus nos dotou de inteligência para que sejamos previsores. Prever o futuro é uma das qualidades próprias do ser humano. Jesus não está criticando a previsão, nem o empenho por uma vida mais digna. Critica, sim, que façamos isso de uma maneira egoísta, afastando-nos de nossa verdadeira meta como seres humanos. Alimentar necessidades é estar centrado em si mesmo, nutrindo o próprio “ego”. 

A parábola deste domingo revela que a cobiça nos incapacita para viver uma vida mais humana. Cobiçar é desejar com ânsia aquilo que dá sensação de segurança ao nosso “ego”. O rico da parábola não se dá conta de que vive fechado em si mesmo, prisioneiro de uma lógica que o desumaniza, esvaziando-o de toda dignidade. Só vive para acumular, armazenar e aumentar seu bem-estar material. Só se preocupa em encher seus celeiros e dedicar-se à boa vida; não está no seu horizonte que os outros também precisam se alimentar. Só vive para alimentar seu instinto de posse: “meus celeiros”, “meu trigo”, “meus bens”. Não percebe que seu “ego” apodrece em meio aos vastos celeiros. 

O homem insensato do evangelho vive para “inflar seu ego”. Contudo, o ego não é o seu verdadeiro “eu”, não é ele. É uma falsa imagem de si mesmo. É a ilusão de que ele é um indivíduo separado, independente, isolado e autônomo. Seja qual for a imagem que cada um tem de si, todos, efetivamente, fazem parte de um universo imenso, em que tudo é interdependente e tudo está intimamente ligado entre si. Todas as divisões, conflitos e rivalidades entres os seres humanos nascem da ilusão de um “ego” que se sente separado e independente dos outros e da natureza. 

O “eu ensimesmado” tende a ser depredador e exigente; quer toda a realidade a seu serviço. Então, tudo fica desfocado, tudo se desvia, tudo se perverte, porque falta aquela atitude “reverente”, ou seja, viver na alteridade diante do Deus da Vida, das suas criaturas e diante dos outros... 

O “ego inflado” se transforma em centro autônomo: fundamento, farol e vigia de toda a realidade. Com isso, o ser humano perde a dimensão de ser criatura. A “dependência” para com o Criador é sentida como ameaça à capacidade de decisão sobre a própria vida. O ego não tem consistência própria: é uma construção mental e uma identidade transitória e, portanto, parasitária. Para subsistir – para ter uma sensação de existir -, necessita aferrar-se a qualquer “objeto” que o alimente: tudo o que seja ter, poder ou aparentar. Vive para ter e acumular, para conseguir poder e impor-se, para figurar e destacar. Em tudo isso acredita encontrar segurança, estabilidade e, em definitiva, consistência. 

Quando nos sentimos genuinamente movidos por sentimentos de compaixão para com as pessoas necessitadas, quando ativamos o espírito solidário, quando compartilhamos agradecidamente tudo o que somos e temos, então é o nosso “verdadeiro eu” que está se manifestando. Quando reconhecemos um momento de honestidade e sinceridade no nosso desejo de conhecer a verdade acerca de nós mesmos ou do sentido de nossa vida, esse é o nosso verdadeiro eu. Nos momentos em que agimos com uma coragem e valentia inexplicáveis e fora do normal, isso também brota de um impulso que provém das profundezas do nosso próprio ser. 

Quando começamos a sentir uma grande gratidão pelos inúmeros dons que a vida nos oferece, podemos ter a certeza de que isso não provém do nosso ego. O ego é completamente incapaz de sentir gratidão. Sentir uma gratidão imensa por todos os dons e graças que recebemos é um sentimento que brota do mais profundo do nosso coração. 

Se, alguma vez, já experimentamos a alegria tranquila de deixar de lado nosso ego, fazendo alguma coisa pelos outros, sem receber qualquer recompensa ou agradecimento, e sem que ninguém o saiba, então entramos em contato com o nosso “eu mais original e divino”. E quando nos sentimos invadidos por uma onda de assombro e deslumbramento, quer dizer que estamos deixando o nosso verdadeiro eu se expandir. 

No centro da mensagem de Jesus encontramos a revelação de Deus como Pai e a proclamação da igualdade e da fraternidade de todos os seres humanos. A criação de uma comunidade onde o compartilhar substitua a acumulação, e que se apresente como alternativa àquilo que o mundo propõe, configura-se como uma das propostas mestras na proclamação do Reino de Deus. Contra a tendência de querer apropriar-nos de tudo como busca de segurança e como defesa hostil diante dos outros, Jesus nos convida a viver a partilha, como abertura aos outros e como possibilidade para a criação da “nova comunidade”, que se constitui como alternativa frente às relações interpessoais fundadas na acumulação e no consumismo.

Na partilha, a primitiva tendência egoísta e agressiva dá lugar a uma atitude aberta, acolhedora e benevolente frente ao outro. Além disso, onde há partilha, há superabundância. Dito positivamente: trata-se de um convite a ir mais além do ego e descobrir nossa verdadeira identidade, aquela “identidade compartilhada”, na qual o próprio Jesus se encontrava. 

A verdadeira riqueza é investir numa única fortuna: a do amor, a do favorecimento da vida, a do descentramento de si mesmo em favor do serviço ao outro, o das obras em favor dos mais pobres e desfavorecidos. Isso é “ser rico para Deus”. 

Texto bíblico:  Lc 12,13-21 

Na oração: Não permaneça na superficialidade do teu ego; desça mais ao fundo de ti mesmo e descobrirás a harmonia. Teu verdadeiro ser é paz, é mansidão, é bondade. Vai mais além de teu falso ser!

Empenha-te em deslanchar teu verdadeiro ser: mais oblativo e solidário.

Dentro de ti está a plenitude, está a felicidade no viver descentrado. Descubra-a! 

Pe. Adroaldo Palaoro sj