“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,35)
A revelação bíblica afirma que Deus é o Criador e Senhor, que envolve a criação com seu Amor dinâmico e criativo. É um Deus ativo, providente, fonte de vida, que realiza obras admiráveis e santas. Em seu Amor Oblativo, Ele vem ao nosso encontro e nos introduz no movimento de sua própria Vida. Somos seres agraciados(as). Viemos de Deus e voltamos para Ele. “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos”.
Aqui nos encontramos como que no centro do mistério único, que é o mistério do Deus Criador e Providente, do Deus que “dá a Vida”, que cuida do universo, do Deus de quem tudo procede e para quem tudo retorna; em síntese, trata-se do mistério do Amor em excesso de Deus. Portanto, no princípio está o Amor e de suas entranhas tudo procede; cada criatura é uma irradiação de Deus, uma faísca da divindade, um transbordamento do amor de Deus. Tudo fala de Deus, tudo revela o seu Amor. Tudo está “amortizado”; o Amor se faz presença, se faz visível, se manifesta em cada detalhe da criação. No Amor tudo entra em movimento expansivo e aberto.
Jesus, em sua vida, sempre deixou transparecer esse Amor do Pai. O amor de Jesus, extenso e profundo como o oceano, nunca teve fronteiras: envolveu a todos, acolheu a todos sem preconceito de raça, cultura, sexo e religião. O mandamento do amor, mais que um mandato é, antes de tudo, um dom e uma revelação de Jesus a seus discípulos.
O evangelho de hoje também faz parte do discurso de Jesus no evangelho de João, o último e mais extenso, depois do lava-pés. É um discurso que abarca cinco capítulos, e é uma verdadeira catequese à comunidade, resumindo os mais originais ensinamentos de Jesus. Estamos vivendo o tempo Pascal e, com a ressurreição, o amor rompido renasce; com a ressurreição, o amor autocentrado nos faz sair de nós mesmos; com a ressurreição, os olhares desconfiados se tornam acolhedores; com a ressurreição podemos aprender a viver a partir de Deus; com a ressurreição o amor oblativo é capaz de mover nossa vida.
Só quem assume a Vida de Deus como sua, será capaz de expandi-la em sua relação com os outros. A manifestação dessa Vida é o amor efetivo a todos os seres humanos. O distintivo do cristão é o amor fraterno. E o amor é discreto, humilde, conhecedor de sua insuficiência, não é arrogante, não se derrama em palavras, não faz alarde, não vai se proclamando pelas praças, prefere o silêncio, passa desapercebido, prefere as obras às palavras (“o amor deve-se por mais em obras que em palavras” – Santo Inácio).
É o Amor nosso distintivo como seguidores(as) de Jesus? O sinal pelo qual os outros reconhecerão que somos discípulos(as) seus(suas) é a capacidade de amar-nos uns aos outros. Temos insistindo demasiado no acidental: no cumprimento de normas, na crença de algumas verdades e na celebração de alguns ritos. E esvaziamos o essencial que é o Amor. O Reino não se espalha por meio de armas, nem com a propaganda e nem com marketing algum; o Reino se espalha pelo contágio, porque o “Amor é contagioso”.
Porque fracassamos estrepitosamente naquilo que é a essência do Evangelho? Porque dizemos seguir Aquele que é a visibilização do Amor do Pai e o nosso estilo de vida destila doses mortais de indiferença, preconceito, intolerância, julgamento...? Vivemos tempos de ira e de ódio, expressões de um fundamentalismo e de um fanatismo que esvaziam toda possibilidade da vivência do amor oblativo. Estamos nos acostumando a ver o ódio e a vingança como um espetáculo a mais. As mediações digitais e as manipulações ideológicas não nos deixam perceber as verdadeiras consequências do ódio sobre as pessoas. É preciso resgatar a sacralidade do amor; afinal, ele é o motor de uma vida intensa. O amor ágape se expressa justamente como impulso para o diferente, abertura a quem pensa, sente e ama de maneira diferente.
O mandamento do amor continua sendo tão “novo” que está ainda por ser vivido em sua plenitude. Não se trata só de algo muito importante; trata-se do essencial. Sem amor, não há vida cristã. Nietzsche chegou a dizer: “só houve um cristão, e esse morreu na cruz”; precisamente porque ninguém foi capaz de amar como Ele amou. Essa é, com certeza, nossa raiz e nossa essência, nossa mais profunda força que, às vezes nos rompe por dentro, outras vezes nos faz subir ao céu. Podemos amar e ser amados. Vivemos desejando encontro, carinho, palavra de compreensão e reconhecimento. Dizemos de Deus, de quem somos imagem, que é amor. E quando olhamos ao redor e vemos os outros, sonhamos viver a partir da cordialidade de braços que se estreitam, olhos que se compreendem ou mãos que se enlaçam.
O amor tem muitos nomes, muitos rostos, muitas formas e expressões. Tem inumeráveis histórias. É amizade, fé, paixão, enamoramento; é fraterno, filial, paterno/materno; é compaixão pelas vidas feridas ou inspiração por viver intensamente. É encontro, quietude ou tormenta. É aceitação incondicional e, ao mesmo tempo, fé nas possibilidades do outro. Amor é saber compartilhar; e também saber pedir ajuda àqueles a quem confiamos. É desfrutar da presença e encurtar as distâncias. É celebrar juntos a vida e chorar juntos os golpes. Às vezes é sede, e outras vezes é manancial que sacia os desejos. É sinal que estamos vivos, e há ocasiões em que a vida é canto, e outras em que é luto.
Um mandamento novo: “que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei”. O “como eu vos amei” não é só comparativo, mas originante. Quer dizer: “que deveis amar-vos porque eu os amei, e tanto como eu os amei”. Jesus é o cume das possibilidades humanas. Amar é a única maneira de ser plenamente humano. Ele ativou até o limite a capacidade de amar, até amar como Deus ama.
Jesus não propõe um princípio teórico, e depois pede que todos o cumpramos. Ele começa por viver o amor e depois diz: “como eu vos amei”. Quem revela sua adesão a Jesus ficará capacitado para ser filho(a), para atuar como o Pai, para amar como Deus ama.
O amor que Jesus pede não é uma teoria, nem uma doutrina; manifesta-se na vida, em todos e em cada um dos aspectos da existência. A nova comunidade dos(as) seguidores(as) não se caracterizará por doutrinas, nem ritos, nem normas. O único distintivo deve ser o amor manifestado em suas ações.
O amor não é um sonho, é o impulso básico das pessoas criadas livres; livres para doar-se livremente, livres para participar da infinita abundância de vida com que Deus nos cumula. O amor é a vida mesma em seu estado de maturidade e plenitude.
Texto bíblico: Jo 13,31-35
Na oração: Repassa sua história de amor. Que nomes são importantes em sua vida? De quê maneira você ajuda o seu ambiente a estar “carregado de amor”?
Em quê circunstância da vida você se revela como pessoa amável?
Quê passos você dá para quebrar o círculo de ódio e violência, que mata o amor na raiz?
Pe. Adroaldo Palaoro sj