«É preciso aprender a reencontrar o caminho para o nosso coração», aponta papa Francisco
Na passada quarta-feira escutamos a parábola do juiz e da viúva, sobre a necessidade de orar com perseverança. Hoje, com uma outra parábola, Jesus quer ensinar-nos qual é a atitude justa para rezar e invocar a misericórdia do Pai. É a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lucas 18, 9-14).
Ambos os protagonistas vão ao templo para orar, mas agem de maneiras muito diferentes, obtendo resultados opostos. O fariseu ora ficando de pé e usa muitas palavras. A sua é, sim, ora oração de ação de graças dirigida a Deus, mas na realidade é uma ostentação dos próprios méritos, com ares de superioridade em relação aos «outros homens», qualificados como «ladrões, injustos, adúlteros», como, por exemplo, «este publicano».
É precisamente aqui que está o problema: aquele fariseu ora a Deus, mas na verdade olha para si próprio. Ora-se a si próprio (…). Apesar de se encontrar no templo, não sente a necessidade de se prostrar diante da majestade de Deus; está de pé, sente-se seguro, quase como se fosse o proprietário do templo. Ele elenca as boas obras realizadas: é irrepreensível, observante da Lei para além do devido, jejua «duas vezes por semana» e paga a “dízima” de tudo o que possui. Em resumo, mais que orar, o fariseu compraz-se da própria observância dos preceitos. Todavia a sua atitude e as suas palavras estão longe do modo de agir e de falar de Deus, que ama todos os homens e não despreza os pecadores. Em síntese, aquele fariseu, que se tem por justo, negligencia o mandamento mais importante: o amor por Deus e pelo próximo.
Não basta, por isso, perguntarmo-nos acerca do quanto oramos, devemos também interrogarmo-nos sobre como oramos, ou melhor, como é o nosso coração: é importante examiná-lo para avaliar os pensamentos, os sentimentos, e extirpar arrogância e hipocrisia. (…) Somos todos tomados pelo frenesi do ritmo quotidiano, muitas vezes à mercê de sensações, dos transtornos, das confusões. É preciso aprender a reencontrar o caminho para o nosso coração, recuperar o valor da intimidade e do silêncio, porque é aí que Deus nos encontra e nos fala. Só a partir daí podemos encontrar os outros e falar com eles. O fariseu encaminhou-se para o templo, está seguro de si, mas não se dá conta de ter perdido o caminho do seu coração.
O publicano, ao contrário – o outro – apresenta-se no templo com espírito humilde e arrependido: «detendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia-se no peito». A sua oração é brevíssima, não tão longa como a do fariseu: «Ó Deus, tem piedade de mim, pecador». (…) [Neste momento o papa Francisco convida as milhares de pessoas presentes na Praça de S. Pedro, no Vaticano, a dizer três vezes esta oração]. Com efeito, os cobradores de impostos – ditos precisamente “publicanos” – eram considerados pessoas impuras, submetidas aos dominadores estrangeiros, eram malvistos pelo povo e, geralmente, associados aos “pecadores”.
A parábola ensina que se é justo ou pecador não pela sua pertença social, mas pela maneira de se relacional com Deus e os irmãos. Os gestos de penitência e as poucas e simples palavras do publicano testemunham a sua consciência acerca da sua pobre condição. A sua oração é essencial. Age de maneira humilde, seguro apenas de ser um pecador necessitado de piedade. Se o fariseu não pedia nada porque já tinha tudo, o publicano só pode mendigar a misericórdia de Deus. Isto, sim, é belo: mendigar a misericórdia de Deus. Apresentando-se de “mãos vazias”, com o coração despido e reconhecendo-se pecador, o publicano mostra a todos nós a condição necessária para receber o perdão do Senhor. No fim, ele próprio, tão desprezado, torna-se um ícone do verdadeiro crente.
Jesus conclui a parábola com uma sentença: «Eu digo-vos: este – [isto é, o publicano] –, diferentemente do outro, voltou para sua casa justificado, porque quem se exalta será humilhado e quem, pelo contrário, se humilha será exaltado». Destes dois, quem é o corrupto? O fariseu. O fariseu é precisamente o ícone daquele que finge orar (…). Assim, na vida quem se crê justo e julga os outros e os despreza é um corrupto e um hipócrita. A soberba compromete cada boa ação, esvazia a oração, afasta de Deus e dos outros. Se Deus privilegia a humildade não é para nos aviltar: a humildade é, antes, a condição necessária para se ser reerguido por Ele, experimentando a misericórdia que vem preencher os nossos vazios. Se a oração do soberbo não alcança o coração de Deus, a humildade do pobre abre-o. (…) É esta humildade que a Virgem Maria exprime no cântico do Magnificat: «Olhou a humildade da sua serva. […] De geração em geração a sua misericórdia estende-se por aqueles que o temem». Que ela nos ajude, a nossa Mãe, a orar com coração humilde. (…). [O papa convida novamente a repetir: «Ó Deus, tem piedade de mim, pecador»].
Papa Francisco
Audiência geral, Praça de S. Pedro, Vaticano, 1.6.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 01.06.2016 no SNPC