REZAR O VAZIO


"Ensina-nos Senhor a rezar este vazio. O vazio trazido por um medo que não conhecíamos e que parece agora um inquilino da nossa alma. O vazio dos espaços confinados. O vazio da vida, de repente, em suspenso. O vazio das horas que quem está sozinho conta de forma diferente. O vazio das incertezas que se amontoam e das quais ainda não falamos. O vazio dos olhos dos que vemos sofrer e o vazio dos muitos que sofrem sem que nós o vejamos. O vazio dos cuidadores ao final de turnos extenuantes. O vazio dos que tiveram de continuar expostos, dia a dia, para que outros ficassem a salvo. O vazio de tudo aquilo que, de um momento para o outro, ficou adiado. O vazio daquela mulher idosa que passa o dia com o rosto encostado à janela. O vazio das ruas donde nos chega um silêncio que não é um silêncio, mas uma espécie de ação de despejo da vida quotidiana. O vazio dos encontros e das conversas. O vazio que os amigos pressentem. O vazio das risadas. O vazio de todos os abraços não dados. O vazio da espontaneidade dos gestos. O vazio da proximidade interditada. O vazio desta primavera [ou deste outono] que está a passar sem que notemos. O vazio do sacerdote que celebra diariamente na igreja vazia. O vazio das nossas igrejas onde Tu Senhor continuas presente, e dali nos ensinas a transformar os vazios".

20.04.2020
Cardeal José Tolentino Mendonça