Nós catequistas e agentes de evangelização devemos capacitar-nos na Bíblia para desenvolver um bom trabalho com os catequizandos, e também,  na comunidade. O estudo da Bíblia pode nos ajudar  a senti-la como algo importante para a nossa vida. O Professor Dr. Francisco Ourofino, em entrevista à revista IHU, diz que a Bíblia na mão do povo, no Brasil, é um gesto de libertação. Isto significa que o leigo tem em suas mãos aquilo que, segundo a própria Dei Verbum, é a fonte primeira da Revelação. E se o leigo tem em suas mãos a fonte primeira da revelação e a lê a partir de sua própria realidade econômica e sociopolítica, esse leigo está fazendo teologia, ou seja, está aprendendo as coisas sobre Deus.

Pesquisando sobre o Antigo Testamento percebemos nele que Deus está sempre presente no seu povo, especialmente no santuário. Encontramos os profetas do Antigo Testamento cantando, com frequência, a ternura e a grandeza do amor de Deus pelo seu povo, comparando-o àquele de um esposo por sua esposa. Podemos ir lá, agora, na Bíblia e fazer a leitura  dos textos que falam desse amor: Os 1,2; 2,3-15; 4,10-19; Jr 31,3; Is 54,5-8; 61,4s; Ez. 37,21-23; Ml 1,2.  Podemos deixar correr nossas vistas sobre o livro de Cântico dos Cânticos e perceber nele, no sentido parabólico, que nada faz senão celebrar esse amor conjugal entre Deus e Israel.

Compreendendo esses textos no seu tempo e transportando-os para a nossa realidade, ou seja, para nosso ambiente cristão, aqueles textos  são lidos à luz de todas aquelas manifestações do amor de Deus pela Igreja e, consequentemente, por nós. Diante do Decálogo - os dez mandamentos - descobrimos que o mandamento do amor de Deus e do próximo, no qual se resume todo o decálogo, toma no Novo Testamento um sentido preciso, explicado  no Evangelho  segundo São João:

"Vede que grande amor o Pai nos concedeu, que sejamos chamados filhos de Deus; e nós o somos! "Caríssimos,  desde agora somos filhos de Deus, e sabemos que, quando ele aparecer, seremos semelhante a ele, já que o veremos tal como ele é. Todo o que nele põe sua esperança torna-se puro como ele é puro.  Tudo o que é nascido de Deus não comete mais o pecado, porque sua semente permanece nele; Não pode mais pecar porque nasceu de Deus.  Todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, nem aquele que não ama seu irmão. Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. Deus nos amou a tal ponto de nos enviar  seu filho  único ao mundo , para que vivêssemos por meio dele. Nisto consiste o amor. Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou. Se Deus nos amou a tal ponto, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e seu amor em nós é perfeito.  Ele nos deu o seu Espírito. Quanto a nós, damos testemunho, por o contemplamos, que o Pai enviou seu Filho como salvador do Mundo. Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele.  Nós o amamos porque ele por primeiro nos amou. (1Jo3,1a-3.9.10; 4,7-16.19).

O Segundo Testamento nos ensina que as profecias do Antigo Testamento a respeito do Messias e do seu Reino  tem sua realização integral no plano da vida histórica e mística de Cristo. Essa profecia é importante e nos chama atenção para o fato de que no Antigo Testamento, tudo o que foi preparado e anunciado agora se cumpriu na pessoa de Cristo e nos cristãos.

Nesse sentido, percebemos uma unidade continuadora dos dois Testamentos e de toda a história. Podemos dizer que o Novo Testamento interpreta o significado de coisas, pessoas e acontecimentos do Antigo. Essa relação entre as realidades do Antigo Testamento e realidades do Novo Testamento é chamada de Typos, Antitypos. O  método utilizado pelos estudiosos para entender essa relação é chamado de tipologia.

Essa compreensão da unidade entre os dois Testamentos  bíblicos nos ajudam a entender que os seus  escritos não são apenas fatos históricos, ou histórias, mas neles se encontra o mistério de Cristo que lemos na Bíblia e o realizamos na ação litúrgica.Assim, eu me encontro imerso nessa dinâmica. A Bíblia é também a minha história como a vivo agora. 

Esse modo de viver que nós cristãos vamos aprendendo na liturgia e fora da liturgia, na vida, nas catequeses bíblicas e doutrinárias da Igreja é o modo que foi ensinado por Cristo, pelos Apóstolos, pela primeira catequese cristã, pelos padres da Igreja e todo esse ensinamento foi sendo penetrado na mente de todo cristão. Pelos caminhos da Igreja eles foram se atualizando e se adequando ás novas realidades, chegando até os nossos dias. Mas muitas coisas foram ficando para trás e acabou não chegando até nosso tempo o seu sentido e significado.

Portanto,  precisamos retomar os nossos estudos e buscar o que ficou perdido na história. Isso trará maior vigor, entusiasmo e vitalidade espiritual à nossa fé.

Hoje, a prática da leitura Bíblica através do método de Leitura Orante, Oficio Divino das comunidades e círculos bíblicos, bem como a presença vivencial nas Celebrações Eucarísticas são formas  de ir se apropriando  da Palavra de Deus e se deixando encarnar por ela.

A Palavra de Deus é fonte de vida.  A  Pa-Lavra carrega consigo o seu  significado fenomenológico e tem o seu lugar na vida do Ser humano. Por definição podemos dizer que:

a) Pá = instrumento de trabalho com a terra

LAVRA = ação de lavrar (imprimir profundamente; inscrever, gravar, cultivar a terra), ou ainda: local de onde extrai pedras preciosas.

Assim sendo, PA-LAVRA é um instrumento da linguagem humana usada para cultivar, em profundidade, o CORAÇÃO humano. Como o homem do campo trabalha na terra retirando dela os seus frutos, assim é a palavra cotidiana na vida do ser humano.

b) Na cultura e religião - a palavra consegue cavar covas profundas em nossa fé, em nossa experiência religiosa. Se for bem dita fará crescer em todas as direções. Mas tanto a palavra que utilizamos em nosso dia-a-dia, quanto a Palavra de Deus não agem por si mesma. Tanto uma quanto a outra, quando mal colocadas, podem nos aprisionar, nos fazer pessoas medrosas, doentes. A Palavra de Deus pode nos libertar, sempre, desde que não seja manipulada pelos interesses de quem a comunica. Por isso a necessidade do seu conhecimento.

Neuza Silveira de Souza

Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética de Belo Horizonte.