“Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento” (Jo 2,2)

A festa está profundamente enraizada no coração do ser humano; ela proporciona o diferente, o novo, o exuberante, o utópico; revela o “homo ludicus” que brinca, canta, dança, transborda emoções, reúne companheiros em comunidade e celebra a vida. 

A festa é ruptura com a monotonia e com a rotina da vida; é um momento no qual se deixa levar pela vida em vez de “carregá-la” nas costas como um fardo. É a própria vida, despojada do peso do cotidiano e vivida em plenitude;  a festa é um “sim à vida” porque significa mergulhar na profundidade da existência, assumindo o que há de prazeroso, de positivo e de belo, para expressá-lo com alegria. 

A festa é celebração comunitária de experiências e acontecimentos da vida. As circunstâncias podem ser variadas (casamentos, nascimentos, padroeiros, conquistas, colheitas, aniversários, datas importantes...), mas o essencial permanece: uma afirmação da vida, da amizade, da comunhão, e uma espécie de juízo de valor sobre nosso mundo e sobre nossa existência 

Ao valorizar determinados acontecimentos, a festa constrói a comunidade a partir de suas raízes e de sua história em vista do futuro; ela torna público o horizonte social dos participantes. Fazendo a festa, a comunidade descobre que foi a festa que a fez. Ela sim, recria a comunidade, recriando os participantes.

Festejar não é ocultar as tensões, os conflitos... mas, ao contrário, é um meio de assumi-los e superá-los. 

Nas bodas de Caná, a novidade está numa nova forma de presença de Jesus, que não se encontra interessado, em princípio, por fazer coisas, por resolver problemas, senão para traçar uma presença como convidado. Ele não está aí para “arrumar” as coisas, mas para escutar e compartilhar um momento festivo. Ele se encontra presente de maneira gratuita, num gesto de solidariedade que transcende e supera toda atividade. 

Segundo o evangelista João, a primeira intervenção pública de Jesus, o Enviado de Deus, não tem nada de “religioso”. Não acontece num lugar sagrado (sinagoga ou templo). Jesus inaugura a Sua atividade profética "salvando" uma festa de casamento que podia ter terminado muito mal. Trata-se do "primeiro sinal", onde nos é oferecida a chave para entender toda a Sua atuação e o sentido profundo da Sua missão salvadora. Convida-nos a que descubramos o Seu significado mais profundo.

"Havia um casamento na Galileia". Assim começa este relato em que nos é dito algo inesperado e surpreendente. Este gesto de Jesus ajuda-nos a captar a orientação de toda a Sua vida e o conteúdo fundamental do Seu projeto do Reino de Deus. Enquanto os dirigentes religiosos e os mestres da lei se preocupam com a religião, Jesus dedica-se a fazer mais humana e leve a vida das pesso

Os evangelhos apresentam Jesus concentrado, não na religião mas na vida. Viver o “estilo de vida” de Jesus não é só para pessoas religiosas e piedosas. É também para quem ficou decepcionado com a religião, mas sente necessidade de viver de forma mais digna e ditosa. Porquê? Porque Jesus contagia a fé num Deus festeiro, que não complica nossa vida, mas nos move a confiar n’Ele, que com Ele podemos viver com alegria pois Ele nos atrai para uma vida mais generosa, movida por um amor solidário. 

A espiritualidade de Jesus não é a espiritualidade do sacrifício, do pecado e da culpa, da busca da perfeição, mas é a espiritualidade da felicidade e da alegria para as pessoas. Com sua presença, participando das bodas, das refeições festivas e dos banquetes, Jesus anunciava e indicava um outro mundo diferente, onde partilha-se a vida, a convivência, a alegria, abrindo espaço à participação de todos, sobretudo daqueles que eram excluídos da religião. É a alegria contagiante do Evangelho.

Para Jesus, Deus se manifesta em todos os acontecimentos que nos impulsionam a viver mais plenamente. Deus não quer que renunciemos nada do que é verdadeiramente humano. Ele quer que vivamos o divino no que é cotidiano e normal. A ideia do sofrimento e da renúncia como exigência divina é antievangélica.

A cena das bodas de Caná da Galileia não se limita simplesmente à ausência de vinho. O assunto é outro: o relato tem que ser entendido na perspectiva do Reino, na dinâmica do tempo messiânico. O texto indica que havia aí, em um lugar da casa, seis talhas de pedra vazias. O texto enfatiza que estavam vazias. São vasos destinados a conter a água da purificação, ritual dos crentes judeus. Porém estão vazias, secas. Este símbolo indica que o modelo religioso que Jesus encontrou está ressecado, vazio. 

A mensagem para nós hoje é muito simples, mas demolidor. Nem ritos, nem abluções, podem nos purificar. Só quando saborearmos o vinho-amor da festa e da partilha, ficaremos todos limpos e purificados. Só quando descobrirmos o Deus presente dentro de nós e nas nossas realidades mais cotidianas, seremos capazes de viver a imensa alegria que nasce da profunda unidade com Ele. Geralmente nos contentamos com as seis talhas de pedra para as purificações, preocupados com os ritos e as normas religiosas; esquecemos que o melhor vinho ainda não foi servido, pois está escondido no mais profundo de nós mesmos. 

Na visão dos primeiros cristãos, que acabavam de se separar do judaísmo, a lei judaica, antes de ajudar, acabou dificultando a relação de Deus com seu povo. Por isso para eles era uma lei vazia, sem sentido, que somente gerava carga e não possibilidade de liberdade e de alegria. As talhas de pedra, destinadas à purificação, eram um símbolo que dominava a lei antiga. Esse modelo de lei criava com Deus uma relação difícil e frágil, mediada por ritos frios e carentes de sentido. 

Com a presença de Jesus, a ritualidade, o legalismo, a norma fria e vazia, se transformam em vinho, símbolo da alegria, do júbilo messiânico, da festa da chegada do tempo novo do Reino de Deus. A atitude de Jesus, sem nenhum tipo de imposição, vai revelando uma nova imagem e um novo conceito de Deus. Deus deixou de ser esse ser estranho e distante, que atemoriza o ser humano com o peso da doutrina e das leis, mas que revela sua face misericordiosa, ou seja, o Deus que caminha com seu povo. Temos de eliminar, em nossa vida pessoal comunitária, com os sistemas religiosos desumanizantes, para conseguir entrar na dinâmica libertadora, inclusiva e festiva que Jesus inaugurou. 

Texto bíblico:  Jo 2,1-11 

Na oração:

“Festeje a fé que torna Deus luz e garantia para os nossos caminhos; festeje a esperança que transporta os seres ao novo do amanhã; festeje o amor  que os torna fonte de crescimento e união. Ao festejar o mistério que o carrega e atrai, será capaz de transformar o dever em prazer, a dor em dinamismo de renovação e a convivência em promessa que se há de revelar graça onipresente. Enxergue em tudo a dádiva e repouse do cansaço; celebre a festa em clima de gratidão e nunca deixará de ser motivado para um novo entusiasmo, recompensado também em ritmo de morte-ressurreição”. (F. Cláudio V.B.)

Pe. Adroaldo Palaoro sj