“Tudo o que o Pai possui é meu; por isso vos disse: Espírito receberá do que é meu e vos anunciará”

 

Nem sempre é fácil, como cristãos, relacionar-nos de maneira concreta e viva com o mistério de Deus confessado como Trindade. A festa da Trindade nos recorda que não se trata de entender, ou simplesmente de pensar e estudar o Mistério das Três Pessoas divinas. O decisivo é viver o Mistério a partir da adoração e da partilha fraterna.

 

A Trindade é Mistério para nós na medida em que nunca conseguiremos compreendê-lo e apreendê-lo pela razão. É o desconhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais, e, ao mesmo tempo, desperta o assombro e a reverência. A Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro.

 

O Mistério da Trindade sempre está aí (vivemos submergidos n’Ele), permanentemente nos esbarramos n’Ele (dentro de nós e na realidade) e buscamos conhecê-lo; mas ao tentar conhecê-lo percebemos que nossa sede e fome de conhecer  nunca se sacia. Por isso, diante da presença do Mistério Trinitário, afogam-se as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. Só nos restam o silêncio, a adoração e a contemplação. “O ser humano que não tem os olhos abertos ao Mistério passará pela vida ser nunca ver nada” (Einsten)

 

A festa da Trindade nos mobiliza para uma nova maneira de viver e de se relacionar com o Deus de Je-sus,  cuja presença preenche o cosmos, irrompe na vida, habita decididamente no interior de cada pessoa e é vivido em comunidade. É preciso deixar claro que o Mistério da Trindade não é um enigma a ser decifrado, ou seja, como conjugar três “individualidades” em uma Unidade, mas é a proclamação de que Tudo é Relação. A Trindade não é uma especulação teórica sobre três pessoas “abstratas” em Deus, mas a maneira de ser de Deus, como Amor que se expande, em si e fora de si, de uma maneira “reden-tora”, inserindo-se na história da humanidade.

 

De Deus não sabemos nem podemos saber absolutamente nada. Temos que retornar à simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a alegoria, a comparação, o exemplo simples, como fazia Jesus. A realidade de Deus não pode ser compreendida, não porque seja complicada, senão porque é absolutamente simples; a nossa maneira de conhecer é que analisa e divide a realidade. Deus não é dividido em partes para que cada um delas possa ser analisada por separado.

 

A Trindade chega até nós, não cada uma das “pessoas” por separado. Ninguém poderá encontrar-se só com o Filho, ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será sempre com o Deus UNO (“Deus é Um mas não está só”). É necessário tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das Três Pessoas relacionando-se conosco, estamos falando de Deus. Nem o Pai só cria, nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo só santifica. Tudo é sempre obra do Deus Uno e Trino.

 

Tudo em nós é obra do único Deus. Dizer que é preciso ter devoção a cada uma das pessoas, é uma “piedosa” interpretação do dogma. Quê sentido pode ter, dirigir as orações ao Pai crendo que é diferente do Filho e do Espírito?

 

O Deus de Jesus não é uma verdade para pensar mas uma Presença a ser vivida. Não é um ideia para quebrar nossa cabeça, mas a base e fundamento de nosso ser. O povo judeu não era um povo filósofo mas vitalista. A Trindade quer expressar o mistério da VIDA mesma de Deus que nos é comunicada. Uma profunda vivência da mensagem cristã será sempre uma aproximação do mistério Trinitário. Será, em definitiva, a busca de um encontro vivo com Deus. Não se trata de demonstrar a existência da luz, mas de abrir os olhos para ver. O verdadeiramente importante foi sempre a necessidade de viver essa presença do Deus, comunhão de Pessoas, no interior de cada ser humano.

 

Quando nos abrimos à comunhão com a Trindade, Ela entra em comunhão conosco na forma sutil de um perfume. Não força, não invade, mas cria um ambiente agradável, perfumado, que nos eleva e nos suscita alegria interior. Tal como o perfume, a Trindade derrama sua Graça sobre toda a Criação e a humanidade inteira. Quê há de mais suave, reconfortante e realizador do que sentir a Trindade a partir do coração?

 

Jesus, o Mistério de Deus feito carne no Profeta da Galiléia, é o melhor e único ponto de partida para reavivar uma fé simples no Deus Comunidade de Pessoas. Ele quis trasmitir-nos que, para experimentar Deus, o ser humano precisa aprender a: Olhar dentro de si mesmo (Espírito), olhar os outros (Filho) e olhar o transcendente (Pai). Desde sua própria experiência de Deus, Jesus convida seus seguidores a relacionar-se de maneira confiada com Deus Pai, a seguir fielmente seus passos de Filho de Deus encarnado, e a deixar-se guiar e alentar pelo Espírito Santo.  Ensina-nos assim a abrir-nos ao mistério de Deus.

 

“Só n’Ele (Jesus Cristo) a Trindade se comunica a nós e somos revelados pela Trindade. Jesus é o Mestre porque é a voz da Trindade para nós e a nossa voz para a Trindade. Jesus Cristo é a porta através da qual a Trindade passa até nós e nós até a Trindade. Jesus Cristo é o caminho que nos leva à Trindade e através da qual a Trindade chega até nós. Jesus Cristo é a Vida, porque n’Ele a Vida da Trindade corre em nós e a nossa pobre vida corre na vida da Trindade eterna de Deus” (Bruno Forte).

 

O que os primeiros cristãos experimentaram é que Deus podia ser ao mesmo sempre e sem contradição:

Deus que está acima de nós (Pai); Deus que se faz um de nós (Filho); Deus que se identifica com cada um de nós (Espírito). Estão nos falando de um Deus que não se fecha em si mesmo, senão que se relaciona doando-se totalmente a todos e ao mesmo tempo permanecendo Ele mesmo. Um Deus que está acima do uno e do múltiplo.

 

Aproximar-se de Deus é descobrir a Trindade. E em cada um de nós a Trindade deixa-se refletir. Viver a experiência do Deus Trino implica saber com-viver; fomos feitos para o encontro e a comunicação. Estamos falando de uma única realidade que é relação.

 

Portanto, Trindade é a glória de Deus que se expressa na vida da humanidade, em especial nos mais pobres e excluídos; é o Amor mútuo, a comunhão pessoal, de Palavra (Filho) e de Afeto (Espírito Santo). Assim é a Trindade na terra: quando todos os seres humanos compartilham a vida e se amam.

 

Não crê na Trindade quem simplesmente professa que há “em Deus três pessoas”, ou quem faz mecanicamente o sinal da Cruz, mas aquele que vive o impulso e a expansão do Amor Redentor, que se expressa como compaixão, reconciliação e compromisso. Crer na Trindade é amar de um modo ativo, como dizia S. Agostinho. Contempla-se a Trindade ali onde se ama e se compromete com a libertação do próximo. Estamos envolvidos pelo movimento do Amor sem fim que parte do Pai, passa pelo filho e se consuma no Espírito.

 

Só quem tem coração solidário adora um Deus Trinitário, pois no compromisso libertador torna-se presença trinitária.

 

Texto bíblico:  Jo. 16,12-15

 

Na oração: No interior de cada um, a Trindade está atuando, está convidando a que ponha em movimento toda a capacidade de admiração e quer ensinar a ler e interpretar Sua presença em todas as coisas.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI

21.05.2013