“E a estrela ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt. 2,9)

 

O ciclo do Natal tem-se revelado como um tempo infestado de “lugares comuns”, no qual experimentamos emoções conhecidas e também comercializadas; no entanto, precisamos nos aproximar deste mistério como se fosse da primeira vez: ali acontece o inusitado e o surpreendente.

 

As informações dos meios de comunicação, as cadeias de televisão... despertam os olhos para ver o de cima, o que conta, o que vale, o que impera..., enquanto que Belém nos atrai para baixo, nos dá olhos para ver o que não aparece, o que não conta, o que quase não se vê. Deus revela sua presença na história pelo lado mais baixo e fraco. E para encontrá-Lo temos de empreender o caminho de “descida”, dirigir o olhar e o coração para o mundo das “margens”.

 

Em tempos de “deslocamentos forçados” para milhões de seres humanos, somos convidados a olhar o “avesso” da história para encontrar a Salvação que vem. É por esse caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos e nos fazermos mais “humanos” e “solidários”. No fundo, a única resposta diante do mistério do Natal é esta: “Só o Amor faz coisas assim” (Guardini)

 

É surpreendente que a pequenez e a vulnerabilidade sejam o cartão de visitas de Deus. A festa de hoje é o memorial desta verdade, sempre esquecida. Deus não nos estende a mão a partir de cima, senão que se mostra necessitado, a partir de baixo. Ele nos ajuda a partir da fragilidade. Ele está “envolvido em faixas” , deitado em cima de palhas, como se não houvesse outro modo de manifestar sua compaixão.

 

A estrela misteriosa “parou no lugar onde estava o menino”. Deus já não deve ser buscado para além dos astros; Ele está no coração da humanidade, e nada do que é humano é descartado...Deus vem na contramão de nossas expectativas, arma tenda nos acampamentos dos exilados e excluídos, compartilha a sorte dos fugitivos, se solidariza com os últimos, a “massa sobrante”...

 

Tendo Ele nascido para sempre nas “periferias” do mundo, porque deseja assumir toda a história a partir daí, todos nós também temos de voltar constantemente o olhar para as “novas periferias” da exclusão, a partir de onde Ele continua nos questionando. Ele não tem palavras, mas é a Palavra; não impõe a paz, mas é a Paz e o Príncipe da Paz; Ele não veio trazer a luz, mas é a Luz nas trevas do coração humano...

           

Jesus nasce fora da pequena Belém, numa manjedoura, porque, para aquela família deslocada pelos mecanismos do império, não havia lugar no centro. No entanto, Jesus é o “centro” da história; Ele descentraliza o mundo a partir da periferia: torna-se “ex-cêntrico” porque não combina nem se ajusta com a construção social de todos aqueles que controlam o mundo a partir do centro.

 

A ação de Deus provoca um “deslocamento” geográfico, social, religioso..., e todo aquele que pretende encontrar-se com Jesus terá de dar meia-volta e peregrinar em direção às “margens”.O Senhor vem! Na sua direção põe-se a caminho os simples, os pobres, os excluídos, os últimos: somen-te eles tem olhos capazes de reconhecer... a Esperança; a Ele vão todos os que, em seu coração, lançam-se a uma busca aberta: somente quem deseja a Luz pode ver o brilho nos olhos do Menino de Belém!

 

Sobre ele se inclina sua Mãe, em silêncio: o Amor não precisa de palavras para ser entendido.

 

Vamos também nós, como os Magos, fazer este caminho em direção ao “Deus clandestino”, para que as águas deste tempo natalino possam empapar nossas vidas e despertar em nós o assombro, a acolhida, o olhar contemplativo... diante do Menino que não fala e mostra tudo de Deus.

 

Texto bíblico:  Mt. 2,1-12

 

Na oração: Diante de milhões de estrelas de nosso mundo que ofuscam nossos olhos, é preciso aprender a discernir aquela que nos conduz a Jesus. Nesse sentido, o relato dos Magos é paradigma de discernimento. Recordemos o relato da Epifania e procuremos perceber, por trás do texto, três possíveis ícones de nossa interioridade: Herodes, os escribas e os Magos.

 

Todos atuam convencidos de fazer o melhor e de serem até justos. No entanto, somente os Magos tem a autêntica liberdade para ver algo mais além de si mesmos e para abrir-se à Boa Notícia. Tal relato ilustra o risco do fechamento em si e de enredar-se nas armadilhas do próprio poder ou da própria inteligência. Isso se manifesta como rigidez para a mudança, a intensa necessidade de manter a própria imagem, a resistência em aceitar coisas novas que rompam seu frágil equilíbrio ou os sérios limites da vontade...

 

A impressão que se tem é que a atitude de Herodes está dominada pelo medo a tudo o que ameace seu pequeno protagonismo, seu minúsculo poder, a pequena cota de prestígio com a qual sustenta sua frágil autoestima...; e essas ameaças devem ser eliminadas o quanto antes.

 

Por outra parte, parece que toda a inteligência e a longa formação dos escribas lhes permite quase tocar a verdade, mas, petrificados em seu próprio saber, não vêem os sinais que os magos percebem; obscurecidos pelo cinismo, perderam a capacidade necessária para abrir-se ao mistério e à novidade que ultrapassa suas sutis racionalizações.

 

Estes dois ícones – Herodes e os escribas – nos sugerem que as resistências para com a alteridade contaminam aos “sábios e entendidos” e aqueles que, a partir de seu poder e prestígio, não deixam espaço para o encontro com o outro, nem para escutar o que vem de fora.

 

No processo da oração busquemos ser como os magos: desejosos de encontrar a Vontade de Deus, atentos para reconhecer estrelas na noite e ágeis para segui-las, capazes de pedir ajuda quando nos perdemos e apaixonados por descobrir o caminho que nos conduz para as periferias da humanidade. Nesse processo, os Magos escutam outras palavras e sinais, aprendem a filtrar aquilo que “ajuda para o fim” e a não seguir qualquer conselho.

 

Herodes e os escribas estão presentes e ameaçam reaparecer sempre. A Graça também nos precede e nos acompanha sempre e libera nosso coração e nossa inteligência para abrir-nos ao novo, a abertura que permite reconhecer o “mistério” e adorá-lo.

 

Como os Magos, também nós nos dirigimos primeiramente aos palácios de nossa sociedade do bem-estar e aos “Herodes” contemporâneos, até que nos damos conta de que ali não encontramos o que estamos buscando, que ali se anula e se anestesia a vida, essa vida de Deus que quer crescer em nós.

 

Os Magos do Oriente são o símbolo de tantos homens e mulheres que em qualquer parte do mundo, a partir de outras sendas e tradições espirituais, se perguntam, buscam e caminham. Eles não buscam sozinhos, mas em comunidade.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana- CEI

02.01.2013