“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc. 1,43

4º domingo advento

 

 

Quando Deus entra e atua na história das pessoas, move-as para irem “apressadamente” ao encontro dos outros, para serví-los nas suas necessidades, para comunicar a alegria pela salvação recebida, e para alegrar-se com os outros pelas graças que eles receberam.

 

Aquela que foi “agraciada” por Deus não fica só contemplando as maravilhas que Deus realizou nela, mas sai para proclamá-las. Quem tem consigo o Salvador não o pode guardar só para si. A expressão “apressadamente” quer sublinhar a atitude interior de fé e de disponibilidade de Maria. Sua “pressa” está dinamizada pelo fervor interior, pela alegria e, sobretudo pelo desejo de servir.

 

A Visitação realiza o encontro entre a mãe do precursor do Messias e a mãe do Messias, e, no entanto, tudo se desenvolve numa casa normal, entre gente simples, na árida região montanhosa da Judéia. A atmosfera é de alegria. A Palavra de Deus adentra a intimidade e o calor familiar de uma casa, e anuncia um evento glorioso e universal. As palavras de Isabel são uma proclamação, a celebração e reconhecimento da ação de Deus nos pobres e nos humildes. O Pai, através do instrumento frágil de uma mulher, ignorada pela sociedade oriental, apresenta ao mundo a sua Salvação.

 

Contra uma concepção cada vez mais “econômica” do mundo, contra o triunfo do possuir, do ter, da escravidão das coisas, a Visitação exalta a alegria do partilhar, do acolher, do admirar, da felicidade da gratuidade, da contemplação, da doação. O ser humano, e todo o seu ser, transforma-se então em louvor de Deus; é o canto das escolhas caprichosas de Deus, que tem um “fraco” pelos pobres, por todos os infelizes e os oprimidos; poder e riqueza não gozam de nenhum prestígio aos seus olhos.

 

O grito de alegria de Isabel expressa, com o pulo de alegria de João, a chegada da Salvação que entra nas nossas casas através de Maria. É um convite a todos para que se unam ao seu louvor e à sua alegria.

 

É da nossa condição humana buscar um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos situamos no mundo e onde podemos ser encontrados.  São muitos os lugares por onde transitamos, mas o mais importante deles é a nossa casa. A casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes, portas, janelas e telhados.

 

Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana, que é a relação afetiva entre aqueles que a habitam e com aqueles que nela são acolhidos. “É preciso que você saiba acolher o outro. Existe uma crise de moradia muito mais grave que a falta de casas: é a escassez de pessoas interiormente disponíveis para seus irmãos.”

 

No interior de nosso país ainda se conserva o bom hábito de “fazer visitas” e a casa torna-se espaço humano de partilha, convivência, festa, ajuda mútua... Por outro lado, sobretudo nos grandes centros, as casas estão cercadas por uma parafernália eletrônica de segurança, com entrada rigorosamente controlada, alarmes contra invasores..., impedindo o acesso  até dos mais próximos (parentes, amigos...). Além disso, vivemos na época dos celulares, do facebook, do twiter, do myspace...; com os amigos a gente troca mensagens eletrônicas em vez de visitas; com os desconhecidos, contato virtual descompromissado.

 

Além disso, há uma doença que afeta praticamente todas as casas: nelas, há muito mais espelhos que nos isolam do que janelas que nos universalizam. A contemplação narcisista de nosso rosto atrofia o horizonte de nossa vida; o espelho é incapaz de ampliar nosso mundo afetivo e relacional, não facilita a acolhida, o encontro... O centro do espelho somos nós mesmos.


As janelas abertas, por sua vez, permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso, pouco respirável que geramos quando nos fechados em nós mesmos. Elas nos abrem à comunhão com a natureza, com os outros, com a realidade que nos cerca. Elas nos humanizam, pois servem para nos revelar quem somos para os outros e, assim, poder passar da janela à porta que se abre para que eles entrem em nossa vida. Outros rostos precisamos descobrir: concretamente, rostos feridos, excluídos, carentes de proximidade e abraço.

 

Seja uma CASA sempre aberta: “entrada franca”.

- Nada de “cachorros” que atemorizem o visitante: seu orgulho, seu egoísmo, sua inveja, sua ironia, sua rudeza, seu preconceito.  Que o outro não se retire, suspirando: “Não tive coragem... tive medo que ele me mandasse embora, que risse de mim, que não me compreendesse...”

 

- Nada de longas esperas que desanimam: esteja sempre atento, nem que seja para um cumprimento, um sorriso, um aperto de mãos, caso você não tenha tempo para uma conversa.

Uns instantes de intensa atenção basta para acolher o outro.

 

- Nada de móveis que impeçam a circulação; mantenha sua casa disponível. Não imponha seus gostos, suas ideias, seus pontos de vista. Nada de retribuições que custam caro: se você oferece alguma coisa, faça-o gratuitamente e nada espere em troca. Nada de contrato oneroso: “entra-se” e “sai-se” à vontade, com naturalidade, sem formalidades...” (Michel Quoist).

 

- Somos casa: lugar de encontro. Ele vem. Sua presença causa mudança;

casa, lugar de lava-pés, do mandamento novo, da amizade, da oração...;

casa, lugar de discipulado – olhar, escutar e seguir;

casa, lugar de unção-acolhida, serviço e adoração;

casa, lugar do Nascimento, da experiência de Ressurreição, de Pentecostes;

casa, minha realidade pessoal e lugar de encontro com o outro.

Deixe ressoar a voz do Senhor: “Eu quero, em tua casa, celebrar a Minha Ceia!”.

 

Texto bíblico:  Lc. 1,39-45

 

Preparar o coração:

Deus não é distância e solidão. Ele é comunicação, presença, libertação.

Ele está perto. Sua proximidade nos causa espanto: Deus possibilita cada um “entrar” em sua casa e captar em profundidade a sua realidade, perceber a raiz do seu ideal de vida (cada vez mais atraente-convincente-exigente), como também suas contradições, ilusões, medos...

Neste “mergulho” interno, cada um pode construir uma espécie de mapa da própria casa, com as regiões fortes e fracas, vulneráveis e criativas, transparentes e ainda misteriosas...

 

* “Eis que estou à porta e bato”. Deus é infinitamente vinda, iniciativa...

   Peregrino em nossa direção. Ele bate, querendo entrar e ficar... mas aguarda.

* Aguarda nossa percepção, nosso consentimento. Suas batidas podem nos acordar do sono do egoísmo e da  falta de compromisso. 

  Toque que convida à acolhida e à vigilância ativa, à coragem e à confiança.

  O toque divino desperta nosso coração para o novo e nosso “querer”  encontra um novo itinerário:

  “Mestre, onde queres morar?”

- “Vinde e vêde!” Quando o Senhor entra em nossa  casa, tudo se modifica...

 

Na oração:

- Como me sinto em minha casa? Preciso abri-la, arejá-la? Modificá-la? Iluminá-la?                                                  É acolhedora? Humanizadora?... Tem mais espelhos ou janelas?

- como está minha casa interior? Preparada para acolher o Senhor?

- há um “lugar sagrado” para Ele? há espaço para os outros?

 

 Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana -CEI 

17.12.2012