“Fala com sabedoria, ensina com amor” (Prov 31,26) 

Mais uma vez somos convidados a viver a Quaresma como uma escola de vida. Nestes dias, ao entrar no deserto da aprendizagem, teremos a oportunidade de experimentar um novo modo de compreender a vida: ativar os recursos, dons, capacidades… e integrar os limites, fragilidades, crises…

Ensinados por Deus, a Quaresma poderá ser uma escola inspiradora para o resto de nossas vidas.

Com a cerimônia da “imposição das Cinzas”, toda a Igreja dá início ao percurso Quaresmal. Neste tempo litúrgico, inspirados pelo tema da CF2022, teremos a oportunidade de experimentar um modo diferente de viver, de nos deixar conduzir pelo Espírito, o Grande Mestre que “nos ensina com amor”. É preciso alargar o espaço no coração e na mente para acolher as “coisas novas” que Deus quer nos ensinar.

Em sintonia com toda as comunidades cristãs, somos chamados a viver o “tempo quaresmal” sempre de maneira nova e inspiradora. O centro de nossa vida é Jesus Cristo, sua pessoa, seu ensinamento, o mistério de sua morte e de sua ressurreição. O caminho do seu seguimento é sempre rico e surpreendente.

Muitas vezes, corremos o risco de viver o tempo litúrgico como uma celebração rotineira, algo já conhecido. Somos todos alunos na escola do seguimento de Jesus, constituindo a grande comunidade de aprendizes.  Como alunos da “escola quaresmal” viveremos, em primeiro lugar, um deslocamento interno, mobilizando as nossas riquezas, despertando nossos desejos e reacendendo o impulso para uma identificação maior com o Mestre de Nazaré; em segundo lugar, viveremos uma travessia externa para alimentar um compromisso solidário e sermos presenças que fazem a diferença na grande escola da vida.

Tendo como inspiração o lema da Campanha da Fraternidade deste ano, “fala com sabedoria, ensina com amor”, seremos movidos a desatar todas as ricas possibilidades e recursos que querem se expressar e que se encontram no mais profundo de nossa interioridade.

Nesse sentido, a vivência quaresmal é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendizado nos leva ao centro do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele saborear a seiva da “divina sabedoria” e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus.

A pedagogia da interioridade apresenta-se como uma proposta sempre atual, que favorece a redescoberta do mundo interior, ou seja, tudo o que se refere à dimensão do coração, das intenções profundas, das decisões que partem das raízes internas. O coração de cada um é habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; ele é a sede das decisões vitais, o lugar das riquezas pessoais, onde se encontram os dinamismos do crescimento, de onde partem as aspirações e desejos fundamentais.

A pedagogia da interioridade, portanto, possibilita viver a “sabedoria do coração”.

O Evangelho da 4ª. feira de Cinzas fala das “práticas quaresmais” da oração, esmola e jejum, onde nossas relações são iluminadas e questionadas pelo modo de viver e de proceder de Jesus. Tais “práticas” não são uma carga pesada sobre nossas costas, mais uma autêntica experiência de saída de nossa “ignorância existencial” para poder viver com mais sentido e inspiração.

Na escola da oração nos situamos diante do olhar compassivo do Senhor para poder nos conhecer mais em profundidade e colocar nossa vida em sintonia com o que Ele deseja para cada um de nós.

Na escola do jejum temos a oportunidade para aprender a integrá-lo, não como sacrifício vazio, mas por inspiração amorosa, ou seja, deixar o Senhor nos ensinar a jejuar de tudo aquilo que atrofia nossa vida: pré-juizos, intolerância, egoísmo, soberba, mentiras, ignorâncias...

Por fim, a escola da esmola revela-se como chamado a nos descentrar, a fazer da nossa vida uma contínua saída em direção aos outros, sobretudo os mais pobres e excluídos. O exercício da “esmola” libera os braços para acolher, alarga o coração para ser mais compassivo, movimenta os pés para uma maior prontidão no serviço, desperta uma presença inspiradora junto àqueles que estão abatidos e desolados.

Assim, o jejum, a oração e a esmola criam um clima favorável para nos “deixar educar por Deus”, para que nos tornemos mais humanos. “Educação divinizada” que se expande em múltiplas direções: consigo mesmo, com Deus, com os outros e com a natureza.

A vivência quaresmal revela-se, portanto, como um processo educativo, e isso acontece, em primeiro lugar, no mais profundo de cada um de nós, onde o verdadeiro Mestre faz do nosso coração sua “sala de aula”.

Como percurso espiritual, a Quaresma nos proporciona “sentir e a saborear” o modo como Deus se deixa encontrar pelo ser humano, como Ele “conduz” cada pessoa, sua maneira original de entrar em diálogo com cada um... Essa relação “Deus – ser humano” se revela como longo processo de aprendizagem, onde Deus é o verdadeiro “pedagogo”.

“Ser educado por Deus”: o princípio da divina pedagogia perpassa todo o percurso da Quaresma. 

Inácio, que se deixou educar por Deus, afirma que Ele o tratava “da mesma maneira que um professor trata um aluno, ensinando-o” (Aut. 27)

A “divina pedagogia” possibilita “e-ducar”, no sentido de “e-ducere”: trazer para fora ou extrair o melhor e mais humano presente nas profundezas de cada um, a verdade e a essência de cada pessoa, para que consiga ter uma visão ampla de si mesma e realizar-se da melhor maneira possível, ativando seus recursos e potencialidades.

Na escola quaresmal, nossa atitude primeira é a de dar o maior e mais amplo espaço possível ao Mestre interior, deixando-nos conduzir por Ele em todas as circunstâncias, em todo tempo e situações da vida.

Tudo isso confirma que Deus é “o” Pedagogo. Ele nos conhece como ninguém e como ninguém sabe fazer emergir tudo aquilo que Ele colocou em nós como criatividade, imaginação, intuição, desejos...

A experiência de Deus como “o” Pedagogo não é uma experiência à margem daquilo que é a experiência da vida cotidiana. Experiência, conhecer por experiência, fazer experiência... A própria vida é uma grande experiência. E cada experiência pode ser uma experiência de Deus, um deixar-se “transbordar” e “surpreender” por Ele, de Quem provém toda iniciativa.

De fato, a experiência é a sabedoria da vida. S. Inácio resume essa intuição numa frase:

                    “encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.

Texto bíblico:  Mt 6,1-6.16-18

Na oração: Deus, divino pedagogo, vem ao nosso encontro e arranca nossa vida dos limites estreitos e atrofiados, expandindo-a em direção a horizontes inspiradores;

- quais as dimensões de sua vida que precisam se expandir, para viver com inspiração seu compromisso cristão?

- Nesse tempo quaresmal, você sente que sua vida necessita um novo salto de qualidade? Em que direção?... Qual é o seu estado de ânimo ao iniciar o percurso da Quaresma?

 Pe. Adroaldo Palaoro sj

01.03.22