Enchemo-nos de alegria, é a quarta parada em nossa caminhada quaresmal! Mais uma vez somos convocados à liberdade, refazendo a memória de nosso batismo. Começamos acompanhando Jesus no deserto, enfrentando tentações. Subimos com ele ao monte para contemplar a luz da humildade e do serviço. Com ele, fomos ao templo e descobrimos que a Casa do Pai não é um empório, mas diálogo e fraternidade. Hoje, aqui estamos, para pedir em meio à escuridão (divisão e confusão), que ele nos ensine a não lamentar débitos nem exigir créditos; a reconhecendo, com São Paulo, a divina misericórdia, graça que nos faz viver (conforme Efésios 2,4-10)!


Esta é a boa notícia que nos apresenta a comunidade em João (3,14-21): nosso Deus é um Deus apaixonado, que se manifesta perdoando em diferentes circunstâncias e por diferentes motivos: aos judeus, exilados, proporcionando-lhes retorno para a terra da promessa (conforme o Segundo Livro das Crônicas 36,14ss); aos efésios, por compaixão universal, incorporando-os ao Cristo Ressuscitado nas boas obras e fé (segundo a Carta aos Efésios, 2,4-10); ao mundo e à humanidade toda, não condena mas oferece vida plena (que pode ser aceita ou rejeitada) ao aderirmos à vida de Jesus (Evangelho)!


Não mais aquela imagem de um juiz implacável, impassível, sem coração, pronto a defender a lei e a dizer sentenças irreversíveis... Outro é o rosto divino que Jesus nos revela: compassivo, Deus-conosco, entrega-nos seu Filho jamais para condenar o mundo, afirmando claramente que deseja conduzi-lo à vida verdadeira. É a gratuidade do amor de Deus que nos liberta. Eis o que precisamos experimentar e testemunhar: o Evangelho do diálogo e da solidariedade, sobretudo no contexto de indiferença letal, temperada de intolerância, ignorância e violência, que vivemos hoje no Brasil. Em meio à escuridão procuramos a luz, como Nicodemos buscou a Jesus!


Depois da cena impetuosa em que Jesus expulsa os mercadores do templo; o quarto evangelho, no terceiro capítulo, nos conta o encontro íntimo e reservado que acontece entre os dois: o Mestre e o Fariseu, um Profeta e um Legalista, um galileu e um judeu, um corajoso e um receoso... Numa conversa tecida de contrastes: alto e baixo, reino e império, céu e terra, novo e velho, nascer e morrer, vento e carne, descer e levantar, salvar e condenar, luz e trevas, vida e morte... Temos em poucas palavras, o essencial da fé: Deus é o amante que salva dando sua vida.


Palavra decisiva, que deveríamos saborear a cada dia, para desta maneira, nascer de novo, nascer do alto. Olhar para aquele que aceita a vontade do Pai e é elevado entre a terra e o céu para a tudo e todos atrair... Como Moisés que, cumprindo a vontade de Deus, da realidade da morte fez um sinal de cura e vida! A fonte da cura e da vida é o amor manifesto de Deus por nós em seu Filho. Hoje somos convocados a reconhecer nossa fonte: o céu, o Espírito, o ser divino... Viver uma vida com maior intensidade e qualidade, ver nossa existência de uma perspectiva nova, de uma fenda aberta no Céu, para discernir o que é passageiro e o que, pelo contrário, é eterno, definitivo.


Nicodemos, como nós, tem grande estima por Jesus e quer saber mais, mas não ousa comprometer-se, indo ao seu encontro à noite. Para nossa surpresa, Jesus não fica nos limites da pouca coerência de Nicodemos (e da nossa!), mas, mostrando compreensão pela sua/nossa fraqueza, transforma-o no ser humano corajoso que fará oposição a seu próprio grupo (João 7,50) e irá, ao pôr do sol da sexta-feira maior, exatamente no momento em que todos fogem, ao encontro da cruz, cuidar do corpo do Crucificado (João 19,39), levando trinta quilos de aloé e mirra, uma quantidade em excesso, expressão de seu afeto e gratidão!


Eis o caminho que nos transforma: o caminho da cruz, um trajeto totalmente novo, do respeito que abraça a imperfeição, da confiança que acolhe a fragilidade e da solidariedade que transforma morte em vida. A via de Jesus é crer no caminhar do ser humano mais do que na linha de chegada, apontar para a verdade humilde do primeiro passo mais do que para o alcançar da meta longínqua. Assim é aquele que nasce do Espírito. Quem nasceu do Espírito não só tem o Espírito, mas é Espírito. Não só é templo do Espírito, mas é da mesma substância do Espírito... Somos obras de Deus! Nisto “fazemos a verdade”!


Aproximamo-nos da Luz, quando aceitamos que Jesus é o “presente” dado por Deus ao mundo e não só para os cristãos! Quando percebemos que a razão de ser da Comunidade Cristã – Igreja, o que justifica sua presença no mundo, é sua capacidade de fazer recordar o amor de Deus e comunicá-lo a todos os seres humanos! Pois só com o coração cheio de amor a todos, poderemos chamar-nos uns aos outros à conversão, pois somos salvos na graça e nossas obras só tem sentido para salvar e libertar o mundo, jamais para condená-lo!


Que nesta quarta semana da quaresma, possamos meditar e rezar:


Deus pai e mãe, lento para a cólera e rico em misericórdia, como é imenso o amor com que amais a nós e ao mundo!

Enviastes vosso Filho amado para que, sendo por ele servidos/as, aprendêssemos a servir com a mesma generosidade.

Dai-nos um amor intenso, lúcido e forte, a fim de que sejamos capazes de dar continuidade a este dinamismo que salva e renova mundo, empenhando-nos na difícil e complexa tarefa de recriar a fraternidade sem fronteira através do diálogo.

Não permitais que sentemos e choremos passivamente nossos desterros, e colocai-nos a caminhar para reconstruirmos o mundo na força do vosso amor.

Assim seja! Amém!

Pe. Paulo Roberto Rodrigues, quarto domingo da quaresma, 14 de março de 2021, oitavo ano do papado de Francisco de Roma.
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