Das margens do mar da Galiléia (evangelho do domingo passado), partimos com Jesus, Simão, André, Tiago e João para a Vila da Compaixão (Cafarnaum). É sábado, dia do descanso e da celebração da liberdade, momento de reunir a comunidade e alimentar a esperança na escuta da Divina Palavra. Entramos na sinagoga, casa de oração, onde se manifesta a boa nova segundo a Comunidade de Marcos (1,21-28): Jesus assume o ritmo do existir de sua gente (trabalho e descanso, cotidiano e culto) e revela o rosto misericordioso de Deus!
Aqui as pessoas ficam maravilhadas com o seu ensinamento (cf. Marcos 1,22), que rompe a seca repetição da rotina, trazendo novidade, fazendo vibrar o que antes parecia amortecido... Ao escutá-lo, aquela gente desarma-se! O motivo: Jesus ensina com força, sua palavra carrega vida não apenas conceitos, sua fala - jamais gélida e distante - é melodia que embala e faz crescer. Jesus diz o que é e faz o que diz; é acrescimento de vida, respiração ampla, horizonte livre.
Não ensina como os escribas… Pessoas inteligentes, de muito estudo, que conhecem bem as Escrituras, mas escutam-nas apenas com a cabeça, numa leitura que não move o coração, não o acende, não se torna pão e gesto. (Lucas 24) Muitas vezes também nós somos como os escribas, basta-nos juntar o Evangelho à razão, parece-nos que o compreendemos, porém, nossa existência não muda. “A fé não é saber coisas, mas fazê-la tornar-se sangue e vida.” (Ermes Ronchi, padre italiano)
O ensino de Jesus provoca mudanças... Na sinagoga está um homem possuído por um espírito impuro, pelo jeito habituado a frequentar aquele espaço, alguém que já ouvira muitas pregações! Sim, pode se passar toda uma vida requentado a sinagoga todos os sábados, a igreja em todos os domingos, rezar e escutar a Palavra, e ainda assim manter dentro de si um espírito doente, uma alma distante que não se deixa alcançar, uma vida vazia e sem perspectivas. Pode viver-se toda uma vida como cristãos de domingo, sem nunca se deixar tocar pela Palavra de Deus, sem que faça verdadeiramente nova a vida.
Então, o homem possuído pelo espírito impuro se contrapõe a Jesus, o possuído pelo Espírito Santo! Gritando, busca demonstrar seu domínio e força sobre o Mestre através de perguntas: ‘Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? (Marcos 1,23)... Aqui a Comunidade de Marcos denuncia que na figura deste homem presente no espaço e no tempo sagrados, mostra como aquela prática religiosa havia perdido a capacidade de combater o mal, o potencial de humanizar a vida.
Cabe-nos perguntar: até que ponto nossa vida religiosa produz transformações em nosso cotidiano? Que relações estabelecemos entre nossa fé em Jesus e nossa rotina do dia-a-dia? Podemos participar do rito no domingo, ficar na comunidade, falar das alturas do sentido e dos santos nos altos céus... Mas, que repercussão concreta isto encontra em nosso existir? Será que cremos realmente? Só o saberemos se, esta frequência e esta escuta, mudar realmente nossa vida.
A resposta de Jesus é firme: pede ao espírito que se cale, exige o silêncio e a saída daquela pessoa. A palavra se faz ação e provoca muito espanto entre os presentes. Pois, Jesus vem para arruinar os espíritos que subjugam as pessoas, vem libertar-nos das atitudes religiosas que sufocam a vida e alienam a existência. Jesus veio para destruir as espadas, para que se tornem foices; Ele é a ruina das lanças, para que se tornem arados, das duras conchas que aprisionam as pérolas. Jesus é "minha doce ruína" – como diz David Maria Turoldo, frade da Ordem dos servos de Maria – pois estraga máscaras e medos, e tudo que arruína o ser humano.
Assim, depois de chamar aos primeiros discípulos – “pescadores de seres humanos” –, hoje Jesus nos ensina a natureza desta pescaria: ser agente de libertação para a humanidade, livrando o ser humano das situações de opressão, escravidão e morte. Como entre todas as alienações humanas a pior é a religiosa, foi no espaço (e tempo) dito sagrado que Ele inicia sua missão. Ali onde se permitia que os seres humanos fossem “afogados”, ou seja, privados de sua liberdade e vida plena, Jesus cuida daquela vida sofrida, arrancando-o do mal (do mar, da morte). Hoje, também somos interpelados a reconhecer quais são as estruturas de domínio do mal e lutar para superá-las. Vale a pena recordar que, ainda hoje, o mal continua disfarçado de “boas” doutrinas, ritos “exatos” e “corretos” preceitos.
A quem temos escutado? Com quem temos aprendido? Que possamos encontrar ensinamentos que nos ajudem a crescer em sabedoria e graça, isto é, na capacidade de espanto infinito. Que saibamos escolher o que nos dá asas. Aqueles que nos desafiam a voar... Que possamos acolher a ensino autorizado de Jesus, que transforma e liberta vidas, com compaixão. Amém.
Pe. Paulo Roberto Rodrigues
31.01.2021
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