Depois da manifestação aos magos, acompanhamos Jesus de Nazaré até o Rio Jordão, onde é batizado por João. Como muitos peregrinos e buscadores de experimentar o Divino, Jesus deixa os montes da Galiléia para descer muito abaixo do nível do mar, para ouvir a pregação do profeta e mergulhar nas águas, testemunhando o desejo de conversão. Assim o Amor transbordante, retira Jesus de trinta anos de anonimato para nos apresentá-lo: carne de nossa carne, trilhando nossos caminhos, participando de nossas buscas.


A comunidade de Marcos, de forma muito concisa (1,9-11), traduz a experiência vivida por Jesus: um Deus que tanto nos ama, que não cabe em si, rasgando o céu para nos abraçar e assumir. Os céus estão abertos, rompem-se por um amor irreprimível, provocados pela urgência de vida da terra e dos pobres. Um vento que envolve e supera os sinais de morte (mergulho/batismo) para anunciar a Vida; um sopro divino que acaricia e pronuncia palavras restauradoras...


Três palavras poderosas, renovadoras: “Tu és o meu Filho amado; em ti encontro o meu agrado”! Dirigidas à Jesus, e através dele, a todos nós. “Filho” é a primeira palavra, um termo poderoso para o coração, para toda a vida. Somos gerados por Deus: todos temos uma fonte no céu, um cromossomo divino em nós, carregamos o seu sopro, sua marca, sua inspiração! O céu não está vazio, não é mudo, fala palavras grávidas de vida, de futuro!


Segunda afirmação: não sou apenas filho, mas amado. Antes de fazer qualquer coisa, antes de qualquer resposta minha, sou amado por Deus! Por que eu sou, como sou, deve-se ao fato de ser amado. E se sou amado, isto não depende de mim, não é minha iniciativa! Deus é o ponto de partida (e de chegada) deste amor... O que leva à terceira palavra divina: eu coloquei minha satisfação em você. A Voz grita/clama do alto do céu, clama/chora pelo mundo e no meio do coração, a alegria de Deus: é bom estar com você!


Em Jesus, o próprio Deus nos diz: “Eu amo você, filho/filha, e estou feliz com você. Antes de dizer sim, antes mesmo de abrir seu coração, você me dá alegria, você é manifestação da beleza, um prodígio que olha e respira, ama e encanta.” E assim nos convoca a viver como filhos e filhas, irmãos e irmãs, singela moradia de sua presença... transformando nossa casa em seu Reinado, nossa história em sua Custódia, nosso viver em sua Oferta, nossa dança em sua Festa!


Tão distante de nossa costumeira experiência religiosa pautada nas obrigações. Não são poucos os cristãos praticantes que entendem a sua fé como um conjunto de crenças que se “devem” aceitar, mesmo que não conheçamos o seu conteúdo ou se saiba o interesse que podem ter para a vida; como também um código de leis que se “deve” observar, mesmo que não se compreenda bem tanta exigência de Deus; ou ainda, um punhado de práticas religiosas que se “devem” cumprir, mesmo que de forma rotineira. Uma religião sem nenhum atrativo: um peso difícil de suportar que a não poucos produz alergia e repulsa.


Pois, “onde falta o desejo de encontrar-se com Deus, não há crentes, mas sim pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou interesse” (Simone Weil, mística do século passado). A boa nova da celebração do Batismo de Jesus é que Deus nos chama de filhos, nos deseja com amor e nos acolhe como somos! Não precisamos entender a fé cristã como um “sistema religioso”, mas sobretudo como um convite a caminhar com e no divino, como Jesus caminhou!


Conscientes que num percurso há de tudo: marcha alegre e momentos de busca, provas que devem ser superadas e retrocessos, decisões incontornáveis, dúvidas e interrogações. Cada um têm de fazer o seu próprio caminho. Pois, tudo faz parte do caminho; também as dúvidas, que podem ser mais estimulantes do que não poucas certezas e seguranças detidas de forma rotineira e simplista. Cada um tem o seu próprio ritmo. Não há que forçar nada. O importante é «caminhar», não parar, escutar a chamada que a todos é feita, de viver de uma forma mais digna e feliz.


Assim como a dança do Espírito sobre as águas é o primeiro movimento da Bíblia (Gênesis 1:2) e uma dança nas águas do útero é o primeiro movimento de cada criança na Terra... Uma pomba dançando sobre o rio é o início da atividade pública de Jesus. Um princípio, fundamento, eterna boa notícia: três palavras (filho, amado, meu agrado) são lâmpada para nossos passos, luz acesa em nosso caminhar! Natal-Batismo: manifestação do Amor divino! Amém

Pe. Paulo Roberto Rodrigues
Campinas-SP - Festa do Batismo do Senhor, 10 de janeiro de 2021

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