Iniciamos a quarta semana do advento, ouvindo os versículos 26 a 38 do primeiro capítulo do Evangelho segundo Lucas, uma preciosa narração escrita por volta dos anos 80 do Primeiro Século da Era Comum; para comentar e rezar o belo poema do profeta Sofonias (3,14-17): “Grita de alegria, filha de Sião! (…) O rei de Israel é o Senhor, que está em teu meio; não precisarás mais ter medo de alguma desgraça. (…) não tenhas medo, Sião! (…) O Senhor teu Deus está a teu lado como valente libertador!” Imagens que se confirmam na profecia de Zacarias (2,14): “Exulta e fica alegre, filha de Sião, pois venho morar no meio de ti – Palavra do Senhor”.
Tudo enriquecido com uma lista de sete nomes: Gabriel, Galiléia, Nazaré, José, Maria, Jesus, Davi. Sete, o número da totalidade, que indica plenitude e finalização, porque o que está para acontecer envolverá toda a história, as profundezas do céu e todo o fervilhar perene da vida na terra: cumprindo o que Deus prometera aos nossos pais (significado do nome Isabel)! Uma palavra na contramão: o mensageiro se dirige a uma jovem mulher (não a um sacerdote ancião); numa casa qualquer e não no santuário; numa cozinha e não entre vasos sagrados do templo. Em um dia comum, porém, marcado no calendário da vida (no sexto mês de gravidez).
Alegria é a primeira palavra: alegre-se! Evangelho no Evangelho! Eis o motivo: Maria, você é cheia de graça. Você está cheia do céu, não porque respondeu "sim" a Deus, mas porque Deus primeiro disse "sim" a você. E Deus diz "sim" a cada um, cada uma, de nós, antes de qualquer resposta nossa! Pois a graça para ser graça não pode se assentar no mérito ou cálculo. A Deus não se merece, apenas podemos acolhê-Lo ou não!
Esta saudação pode parecer estranha porque não se apresenta com a gravidade das Leis ou a precisão dos Dogmas. É conversa de enamorados: o Altíssimo se apaixonou por você e agora seu nome é: amada para sempre; como Ele, também será conhecido como quem ama desde sempre e para sempre! Todos, ternamente e livremente amados, desejados por Deus. Assim é o amor, paixão de união que atrai e une: o Senhor está com você! Expressão que desconcerta a menina... Pois Deus confia-lhe uma tarefa ao mesmo tempo bela e... árdua! Ele chama Maria a uma história de surpresas e de coragem.
Maria, você terá um filho, seu e de Deus, um filho da terra e do céu. Você vai dar-lhe o nome de Jesus. E a jovem, pronta, inteligente e madura, depois da primeira perturbação não tem medo, ela fala, questiona, argumenta. Ela se coloca diante de Deus com toda a dignidade de uma mulher, revelando nossa humana vocação de sermos imagem e semelhança do divino. Enquanto Zacarias, experimentado sacerdote, pedira um sinal ao anjo; Maria pergunta-lhe o significado e como se daria aquele convite. De um lado a busca por garantias, por outro, a ousadia de penetrar o sentido da história! Medo da frustração, coragem para avançar no desconhecido!
As respostas do mensageiro soam estranhas: o celeste se fará terrestre; o eterno se fará mortal; o onipotente, fraco; o três vezes Santo, será o Emanuel, Deus-conosco (conforme Isaías 7,14 ou Mateus 1,23); o divino se tornará humano. O que importa como isso acontece? Então Gabriel para tranquilizá-la fala do Espírito nas águas como na origem (Genesis 1,1), da Presença Divina (Shekinah/sombra) na Tenda como no Sinai, convida-a a pensar e desejar grande, o maior que puder: confie, será Deus quem encontrará o caminho, a forma, o como fará tudo possível! Como fez com Isabel, fará grandes coisas: você sentirá isso em seu corpo, como ela sentiu na velhice.
O Espírito poderia ter escolhido outros caminhos, é claro, mas sem o corpo de Maria o Evangelho perde seu corpo, torna-se ideologia ou simples moral. Eis a boa notícia: Deus está conosco, quer habitar conosco, caminhar nossas trilhas, compartilhar boas palavras, doar-se em vida abundante para todos. Agora Deus está à procura de mães, Marias e Josés. Cada cristão/cristã é chamado a gerar Cristo em si mesmo, acolhendo a Palavra com fé e obediência, deixando-a fecundar em nós, pelo Espírito Santo, a crescer dia e noite, mesmo que não saibamos como.
Eis a boa e desafiante notícia de hoje: o Senhor vem e está em nós e no meio de nós; é fonte de libertação e de vida nova para nós e para a humanidade. O aspecto desafiador desta vinda é que Ele não vem como todo-poderoso a resolver tudo com milagre e através da força. Deus vem como pequenino e impotente. Cabe a nós, feito mães amorosas, ajuda-Lo a se encarnar neste mundo, nestas casas e ruas, cuidando da sua palavra, dos seus sonhos, do seu evangelho. Assim Deus viverá por nosso amor. Eis o nosso Deus, Deus-em-nós! Amém!
Pe. Paulo Roberto Rodrigues
(seis dias antes do Natal do Senhor, em 2020)
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