O grande mandamento, «amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente», resume-se num verbo: amarás. Um verbo no futuro, a indicar uma ação nunca concluída, que durará tanto quanto o tempo.

Amar não é um dever, mas uma necessidade para viver. E viver sempre. Com estas palavras podemos lançar um olhar sobre a fé última de Jesus: Ele crê no amor, confia no amor, funda o mundo sobre ele. «Toda a lei é precedida por um “és amado” e seguida por “amarás”. “És amado” é a fundação da lei; “amarás”, o seu cumprimento. Quem afasta a lei deste fundamento amará o contrário da vida» (Paul Beauchamp). Amará a morte.

Que devo fazer para ser verdadeiramente vivo? Amarás. Com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente (cf. Mateus 22,34-40, Evangelho do próximo domingo). Apelo à totalidade, para nós inalcançável. Só Deus ama com todo o coração, Ele que é o próprio amor.

A criatura humana ama de vez em quanto, como às apalpadelas, e com mil contradições. A Bíblia sabe-o bem; com efeito, o texto hebraico, à letra, diria assim: amarás Deus com todos os teus corações. Ama Deus com os teus dois corações, com o coração que acredita, e também com o coração que duvida. Ama-o nos dias da luz, e como podes, como consegues, também na hora em que se faz escuro dentro de ti. Sabendo que o amor conhece também o sofrimento. E quem mais ama, prepare-se para sofrer mais (Santo Agostinho).

À pergunta sobre qual é o grande mandamento, Jesus responde oferecendo três objetos de amor: Deus, o próximo e tu próprio. O amor não vigia só nas fronteiras do eterno, mas protege também o umbral de uma civilização do amor; nela, repleta de criaturas, está o discípulo.

O segundo é semelhante ao primeiro. Amar o ser humano é semelhante a amar Deus. O próximo é semelhante a Deus. O próximo tem rosto e voz, necessidade de amar e de ser amado, semelhantes às de Deus.

Terceiro objeto do amor: ama-o como a ti mesmo. Ama-te como prodígio da mão de Deus, vida da sua Vida, moeda de ouro cunhada por Ele. Ama para ti liberdade e justiça, dignidade e uma carícia, isto amarás também para o teu próximo.

Prodigiosa contração de toda a lei: o que desejas para ti, fá-lo também aos outros. Porque se não amas a beleza da tua vida, não serás capaz de amar ninguém, só saberás prender e acumular, fugir ou violar, sem alegria nem espanto, sem beleza do viver.

E para não nos perdermos no romantismo, a Bíblia faz-se concreta e provocadora: amarás a tríade sagrada: a viúva, o órfão e o estrangeiro, o que chegou por último, o desolado, o frágil. E se emprestas dinheiro, não exigirás juro. E ao pôr-do-sol restituirás o manto ao pobre: é a sua pele, a sua vida (Êxodo 22,20-26). Fora disto, construiremos e amaremos o contrário da vida.

Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 22.10.2020 no SNPC
Imagem: pexels.com