“Deixai crescer um e outro até a colheita!” (Mt 13,30) 

Jesus costumava contar parábolas com frequência e as pessoas gostavam de ouvi-lo; suas parábolas, brotavam do chão da vida, estavam carregadas de vida e comprometiam as pessoas a viverem de um modo diferente, deixando-se inspirar por Aquele que é Fonte da Vida. Como relatos instigantes, as parábolas faziam emergir uma nova imagem de Deus e uma nova imagem do ser humano.

Sabemos que as imagens, que cada um guarda em seu interior, tem um peso e marcam a vida: elas podem fazer adoecer ou ativar uma vida sadia, podem alimentar medos ou despertar coragem, podem estreitar a vida ou expandi-la.... Todos temos experiências das funestas consequências das falsas imagens de Deus, que acabam alimentando, em cada um, uma auto-imagem atrofiada e paralisante. Jesus, com suas parábolas provocativas, desejava quebrar tais imagens nocivas e substitui-las por outras saudáveis.

Para isso, Ele usa uma pedagogia para nos provocar e dirigir nossa atenção para algo específico, que nos inquieta: quando nos sentimos incomodados com Suas imagens, isso significa que estamos sendo confronta-dos com imagens falsas de Deus e de nós mesmos, petrificadas em nosso interior. Algum aspecto nosso, que até então havia permanecido na sombra, é iluminado; agora somos capazes de nos ver de modo diferente. Essa transformação interior, de nossa visão e de nossos sentimentos, não pode ser alcançada por meio de meras palavras de ensinamento. Para isso, precisamos da arte das parábolas, pois elas desvelam, põem às claras, situações e modos fechados de viver, visões distorcidas, falsas verdades, ideias atrofiadas, crenças vazias..., que nos dão uma sensação de segurança e temos resistências em abrir mão de tudo isso. 

Como muitas outras parábolas, também a do “joio e do trigo” é um relato provocativo. Não só porque parece ir contra o “senso comum”, que aconselha arrancar o joio que impede o crescimento do trigo, mas porque é também uma resposta às críticas que o próprio Jesus recebia por sua atitude com relação àqueles que a religião tinha excluído. Não em vão Ele foi acusado de ser “amigo de publicanos e pecadores”.

Por outro lado, a parábola pode deixar transparecer as inquietações da comunidade de Mateus, preocupada por separar com clareza os “bons discípulos” daqueles que não eram. Como tantos grupos humanos, a tentação é marcar uma linha divisória, entre o “trigo” e o “joio”. Essa separação, no interior da comunidade cristã, acaba se projetando nas relações sociais, políticas, econômicas, culturais..., criando “muros” e “fronteiras” que esvaziam o processo de humanização.

Pois bem, seja porque se refira à vida histórica de Jesus, seja porque se tenha adaptado para responder a alguma polêmica comunitária posterior, o certo é que a mensagem da parábola não deixa lugar a dúvidas: “deixai crescer um e outro até a colheita!”. Por isso, a atitude sábia de deixar o “trigo e o joio crescerem juntos”, nos remete precisamente ao que temos de fazer com o nosso próprio “joio”: aceitá-lo, acolhê-lo, integrá-lo, reconhecê-lo como nosso, sem reduzir-nos a ele e sem nos deixar determinar por ele. Tal atitude implica um crescimento em integração e em humildade. Por mais estranho que pareça, a aceitação do “joio” nos humaniza, pois nos faz descer de nosso pedestal egóico – feito de exigência, perfeccionismo e de complexo de superioridade – e aproximar-nos de nosso ser verdadeiro.

Quanto mais nós nos conhecemos e conhecemos o Sol que nos habita (Deus), mais nos integramos e mais nos humanizamos.

Humanizar-se, não no sentido de ser mais virtuoso, brilhante, bem-sucedido, perfeccionista... Humanizar-se é também a capacidade de acolher-se frágil, vulnerável e, ao mesmo tempo, ativar o vigor, ser criativo, resistir, poder traçar caminhos... Fazer a síntese entre ternura e vigor.

Não pretendamos, pois, arrancar o joio; demonstremos com nossa vida que, ser trigo, é mais humano. 

Nossa vida está repleta da graça divina. Vivemos mergulhados na Graça que nos santifica.

Ser santo(a) é viver em plenitude nossa humanidade. É aprender a descobrir e a redescobrir a “presença de Deus em tudo e tudo em Deus” (S. Inácio).

Já foi dito que o ser humano nunca é tão grande como quando sabe reconhecer e aceitar sua fragilidade, sua limitação...  Reconhecer e aceitar sua própria “humanidade”, diante de Deus e dos outros, significa percorrer um caminho em direção a uma visão positiva, madura e profunda de si mesmo.

Com isso, já não desperdiçamos as nossas energias para tentar, inutilmente, afastar de nós algo que faz parte de nossa vida e que devemos aprender a integrar, a preencher de sentido, a transformar...

Às vezes, no mal que queremos extirpar, há um bem que não sabemos descobrir. 

Com efeito, temos sempre a tentação de querer extirpar logo e totalmente o “joio” do nosso coração, arriscando-nos a arrancar com ele, pela raiz, os germes do bem que estão crescendo com dificuldade e que exigem uma atitude muito diferente, isto é, paciência e delicadeza, capacidade de intuição e clarividência, disponibilidade para alimentar uma sadia tolerância para conosco.

Todo este processo de integração interior se faz visível na integração com os outros com quem convivemos. 

Parece claro que, nós seres humanos, ficamos incomodados com o “diferente”, com aquele que sente, pensa e crê de outra maneira. Se a isso agregamos a necessidade de “ter razão”, característica do ego, pode-ríamos explicar a origem de tantas intolerâncias, fanatismos, juízos, processos inquisitoriais e condenações... Tanto as religiões, como os grupos sociais, insistem em ter tudo bem clarificado e estabelecido, para evitar sobressaltos. Detrás de tudo isso, o que se busca é assegurar a sobrevivência e defender-se da ameaça da insegurança ou da necessidade de mudanças. Sair das próprias posições e convicções, no campo religioso, social, político, cultural...é, para muitos, um processo doloroso.

A parábola que estamos comentando (joio e trigo) é um chamado à tolerância e à paciência. A virtude da tolerância não é sinônimo de “bonzinho amorfo”, nem constitui um relativismo suicida. Tolerância é respeito e valorização da pessoa, acima das diferenças, acima das atitudes contrárias e inclusive, segundo Jesus, frente às agressões recebidas: “Amai vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem”.

A personalidade fanática tende a ver a realidade dividida completamente em duas: tudo é branco ou preto, verdadeiro ou falso, bom ou mau, “trigo e joio”; para ela, não existem outras tonalidades. Por isso, ela se converte em juiz implacável que “salva” ou “condena”, assume atitudes fascistas ou nazistas, com a ilusão da raça pura, da ideologia pura, da religião pura...

Niels Bohr, um dos grandes iniciadores da física quântica, afirmou que “o oposto de uma verdade profunda pode ser também outra verdade profunda”. E para ele não se tratava de uma crença ou de uma opinião pessoal, mas de uma constatação, fruto de seus experimentos com partículas sub-atômicas.

Há um fato inegável: ninguém é igual a outro, todos temos algo que nos diferencia. Por isso existe a biodiversidade, milhões de formas de vida. O mesmo e mais profundamente vale para o nível humano. Aqui as diferenças mostram a riqueza da única e mesma humanidade. Podemos ser humanos de muitas formas e devemos ser tolerantes, como toda a realidade é tolerante. A intolerância será sempre um desvio e uma patologia e assim deve ser considerada. 

Texto bíblico:  Mt 13,24-43

Na oração: O rigorismo não faz parte do caminho da Graça; o caminho da graça se chama compreensão e tolerância. A melhor resposta é dar a oportunidade para que o trigo amadureça; a melhor solução é abrir possibilidade para que o joio seja transformado. É questão de saber esperar. E disso, o amor é especialista.

- Frente ao “joio” presente em seu interior, que atitudes assume: auto-julgamento? moralismo? intransigência?

- E frente ao “outro”, que “pensa, sente e ama de maneira diferente”, como você se situa?

Pe. Adroaldo Palaoro sj