Três sinais de autêntica espiritualidade
Embora não exista uma receita pronta para a felicidade, tampouco para a vida espiritual, é importante considerar que, sem o consolo da escuta, da disciplina e do sentido de humor, dificilmente acharemos paz dentro da vocação que escolhemos.
A escuta é a porta de acesso ao silêncio de Deus. Ela nos coloca face a face com o nosso eu interior e nos reconcilia com nossos afetos, dores e inquietudes mais profundas. Sem a escuta, nos perdemos de nós mesmos e esquecemos aquilo que é essencial em nossa busca. No contexto da vida conectada, escutar com inteireza de coração tornou-se uma espécie de batalha, da qual muitos saem perdendo. Com efeito, em meio a tanto barulho e infinitas conexões, o silêncio tornou-se um bem raríssimo, cada dia mais escasso. Fala-se excessivamente, dentro e fora das redes. A escuta quase não tem espaço nas relações interpessoais. Todos têm ânsia de contar suas aventuras, mas, no fundo, ninguém se ouve. O silêncio, dizia Henri Nouwen, “é a disciplina que nos ajuda a ir além da qualidade de entretenimento de nossa vida”.
Ouvir a opinião dos pais e dos amigos pode ser uma experiência relativamente fácil, o difícil mesmo é escutar a própria voz interior e, no mais profundo silêncio, discernir “o que significa a vontade de Deus para minha vida?”. Tal proeza, diga-se de passagem, só é possível pela via da disciplina, pois, como dizia Thomas Merton, “desejar uma vida espiritual é, assim, desejar disciplina. De outro modo, o nosso desejo é uma ilusão”. De fato, a disciplina interior é o caminho mais propício à maturidade e à liberdade de espírito. Entretanto, adverte Merton “o nosso ascetismo não nos deveria tornar espiritualmente rígidos, embora flexíveis, porque rigidez e liberdade não se conciliam”.
Quando nos falta aquela dose diária de disciplina espiritual, aos poucos, a nossa vocação ao amor vai se esvaziando em meio à pressa e, em vez de produzir frutos de harmonia e de paz, a nossa presença passa a ser um peso para os outros. Decerto, quando isso acontece, o nosso cristianismo já perdeu o seu encanto e a sua alegria há muito tempo.
As Sagradas Escrituras nos recordam que “coração alegre ajuda a sarar, mas espírito abatido seca os ossos” (Pr 17,22). A alegria e a leveza são frutos da vida espiritual. Quanto maior a nossa capacidade de conexão com nós mesmos, maior o nosso grau de contentamento diante da existência. Uma pessoa jubilosa, bem-humorada e autoirônica, segundo o Papa Francisco, “consegue ser amável, mesmo nas situações difíceis. É alguém que sabe ser paciente nas tribulações e não se rende ao desespero, ainda que tudo pareça perdido. Quanto bem nos faz uma boa dose de são humorismo!”.
Que em meio às muitas preocupações diárias nunca nos faltem a escuta que acolhe, a disciplina que transforma e a alegria que dá sentido e plenitude às nossas relações.
Francisco Galvão, religioso Paulino, autor do livro “O Cultivo Espiritual em tempos de conectividade”, Paulus Editora, 2ª edição 2019.