«Ainda que Jesus nascesse mil vezes em Belém, a mim de nada serve se não nasce em mim!» Esta frase do místico Angelus Silesius interpela-nos hoje mais que nunca, num tempo que parece aquilo que celebramos no Natal pouco tem a ver com o mistério da Incarnação. E no entanto, para os cristãos o Natal significa precisamente isto: a vinda de Deus no meio de nós num pobre, débil, frágil bebé de Belém. É o grande mistério da fé cristã: Deus feito homem. Deus entre nós! Mas é também um grande anúncio: Deus amou-nos a tal ponto que se tornou aquilo que nós somos, para que nós nos tornemos aquilo que Ele é.

O cristão, consciente da sua qualidade de filho de Deus, intensifica no dia de Natal a oração e a festa. Mas este renovado fervor religioso permanece vão se o cristão não consegue viver e rezar o Natal e se limita a celebrá-lo pela força do hábito ou como uma verdade dogmática que não o envolve pessoalmente.

Celebrar o Natal não significa reevocar um acontecimento que passou a estar relegado para um passado mítico, nem procurar compreendê-lo intelectualmente, mas dizer: hoje há Natal, para nós, aqui, agora, até repetir na fé a palavra do Evangelho: «Hoje nasceu para nós um Salvador, o Cristo Senhor».

Não chega meditar sobre o acontecimento do Natal, é preciso “Vê-lo”, envolver-se nele com todo o seu ser. O profeta Sofonias dirige-se ao povo, dizendo-lhe: «Alegra-te, faz festa. Rejubila com todo o coração (…) porque o Senhor teu Deus está no meio de ti e dança, exulta por ti, circunda-te».

Isto é o Natal: Deus que dança de alegria e circunda a humanidade como um enamorado faz com a sua namorada. Celebrar o Natal significa aceitar o dom de Deus que se entrega à humanidade, a nós, e responder com alegria, dançando diante da alegria de Deus, que no fazer-se homem chega até à humanidade amada como uma esposa. O Natal é o acontecimento em que Deus, no nascimento de uma criança, nos entrega a sua Palavra feita carne e, na incarnação, manifesta-se a nós, faz-se ver, comunica-se totalmente a cada ser humano e assume toda a humanidade.

Certamente que esta notificação é feita aos cristãos, que na obediência da fé sabem aceitar a vinda ao mundo do Deus que se faz carne, que se faz homem.

Isto, porém, não é um privilégio, mas um compromisso radical com Deus e também com a humanidade. Com efeito, o nosso Natal situa-se entre a primeira vinda anunciada aos pastores de Belém, aos pobres que esperavam a salvação trazida pelo Messias, e a segunda vinda, que envolverá todos os seres humanos, de todos os tempos e lugares, toda a criação, a universalidade dos seres. No Natal, Deus entregou-se para envolver toda a humanidade no desígnio de salvação universal, e isto compromete todos aqueles a quem o acontecimento foi notificado na fé.

Cada comunidade cristã, portanto, ao celebrar o Natal, deve absolutamente tornar-se eloquente também para aqueles que cristãos não se dizem, ou que há muito deixaram de ser praticantes…

Trata-se de viver as festas natalícias de maneira que a alegria cristã e a mensagem de reconciliação e de paz que o Emanuel trouxe chegue a todos e seja anunciada a boa notícia da «paz na Terra aos homens que o Senhor ama».

Não se trata de uma comunicação feita simplesmente com as palavras, trata-se se de uma vivência comunitária que chega aos irmãos e irmãs em humanidade.

Num tempo em que dons universais como a paz e a unidade, a convivência confiante e a solidariedade parecem perdidos no enovelamento dos medos, o Natal pode e deve ser o lugar, o momento privilegiado para reafirmar a boa notícia da fraternidade sobre esta Terra, dom de Deus para o bem de todos, tesouro que só a Ele pertence e que nós, humanos, podemos apenas partilhar na justiça, na paz, na benevolência recíproca.

Enzo Bianchi 
In SIR
Trad.: Rui Jorge Martins 
Publicado em 24.12.2018 no SNPC