Catequeses sobre o discernimento 13.

Continuemos – estão a acabar – as catequeses sobre o discernimento, e quem seguiu estas catequeses até agora talvez possa pensar: que prática complicada é discernir! Na realidade, é a vida que é complicada e, se não aprendermos a lê-la, complicada como é, corremos o risco de a desperdiçar, levando-a em frente com expedientes que acabam por nos aviltar.

No nosso primeiro encontro vimos que sempre, todos os dias, quer queiramos quer não, realizamos atos de discernimento, naquilo que comemos, lemos, no trabalho, nos relacionamentos, em tudo. A vida coloca-nos sempre diante de escolhas, e se não as fizermos de maneira consciente, no final é a vida que escolherá por nós, levando-nos para onde não gostaríamos de ir.

No entanto, o discernimento não se faz sozinhos. Hoje, abordemos mais especificamente algumas ajudas que podem facilitar este exercício do discernimento, indispensável da vida espiritual, embora de certo modo já as tenhamos encontrado no decurso destas catequeses. Mas um resumo ajudar-nos-á muito.

Uma primeira ajuda indispensável é o confronto com a Palavra de Deus e a doutrina da Igreja. Elas ajudam-nos a ler o que se move no coração, aprendendo a reconhecer a voz de Deus e a distingui-la de outras vozes, que parecem impor-se à nossa atenção, mas que no final nos deixam confusos. A Bíblia adverte-nos que a voz de Deus ressoa na calma, na atenção, no silêncio. Pensemos na experiência do profeta Elias: o Senhor não lhe fala no vento que fende as rochas, nem no fogo ou no tremor de terra, mas fala-lhe numa brisa suave (cf. 1 Rs 19, 11-12). É uma imagem muito bonita que faz com que compreendamos o modo como Deus fala! A voz de Deus não se impõe, a voz de Deus é discreta, respeitosa, permito-me dizer: a voz de Deus é humilde e, precisamente por isso, pacificadora. E somente na paz podemos entrar no íntimo de nós próprios e reconhecer os desejos autênticos que o Senhor colocou no nosso coração. E muitas vezes não é fácil entrar naquela paz do coração, pois andamos atarefados, com isto, aqui e ali, o dia inteiro... Mas, por favor, acalma-te um pouco, entra em ti mesmo, em ti mesma. Dois minutos, pára. Presta atenção ao que o teu coração sente. Mas façamos isto, irmãos e irmãs, ajudar-nos-á muito, pois naquele momento de calma imediatamente a voz de Deus que nos diz: “Mas, repara, olha para isto, bom isto que estás a fazer...”. Deixemos na calma que venha de repente a voz de Deus. Espera-nos para isto...

Para quem crê, a Palavra de Deus não é simplesmente um texto para ler, a Palavra de Deus é uma presença viva, é uma obra do Espírito Santo que conforta, instrui, dá luz, força, alívio e gosto de viver. Ler a Bíblia, ler um trecho, um ou dois trechos pequenos da Bíblia, são como pequenos telegramas de Deus que te chegam logo ao coração. A Palavra de Deus é – e não exagero – um pouco como verdadeira antecipação do paraíso. Quem o compreendeu bem foi um grande santo e pastor, Ambrósio, aquele bispo de Milão, que escreveu: «Quando leio a Divina Escritura, Deus volta a passear no paraíso terrestre» (Carta, 49, 3). Com a Bíblia abrimos a porta a Deus que passeia. Interessante...

Esta relação afetiva com a Bíblia, com a Escritura, com o Evangelho, leva a viver uma relação afetiva com o Senhor Jesus, não tenhais medo disto! O coração fala ao coração, e esta é outra ajuda indispensável e não é óbvia. Muitas vezes podemos ter uma ideia deturpada de Deus, considerando-o como um juiz cruel e severo, pronto para nos apanhar em flagrante, com a corda pronta para nos punir. Jesus, ao contrário, revela-nos um Deus cheio de compaixão e ternura, pronto a sacrificar-se para vir ao nosso encontro, exatamente como o pai da parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32). Certa vez, alguém perguntou – não sei se à mãe ou à avó, contaram-me – “Mas o que devo fazer neste momento?” – “Ouve Deus, Ele dir-te-á o que deverás fazer. Abri o coração a Deus”: um bom conselho. Recordo uma vez, numa peregrinação de jovens, que se faz uma vez por ano ao Santuário de Luján, a 70 km de Buenos Aires: emprega-se o dia inteiro para chegar lá; eu tinha o hábito de confessar durante a noite. Aproximou-se um rapaz, de 22 anos mais ou menos, tudo, com muitas coisas [kit], tatuagens... “Meu Deus – pensei – o que será isto?”, não? E disse-me: “O senhor sabe, vim porque tenho um problema grave, contei-o à minha mãe e ela disse-me: “Vai ter com Nossa Senhora, faz a peregrinação, e Nossa Senhora responder-te-á”. E vim. Tive contacto com a Bíblia, aqui, ouvi a Palavra de Deus que me comoveu o coração e devo fazer isto, isto e isto”. A Palavra de Deus faz comover o coração e muda a tua vida. E assim vi muitas coisas, isto, tantas vezes. Pois Deus não deseja destruir-nos, Deus quer que sejamos mais fortes, melhores a cada dia. Quem permanece diante do Crucificado sente uma nova paz, aprende a não ter medo de Deus, pois Jesus na cruz não assusta ninguém, é a imagem do desamparo total e ao mesmo tempo do amor mais completo, capaz de enfrentar todas as provações por nós. Os santos sempre tiveram uma predileção por Jesus Crucificado. A narração da Paixão de Jesus é a via mestra para nos confrontarmos com o mal sem sermos esmagados por ele; nela não há julgamento nem sequer resignação, porque é permeada por uma luz maior, a luz da Páscoa, que permite ver naqueles terríveis feitos um desígnio maior, que nenhum impedimento, obstáculo ou fracasso pode frustrar. A Palavra de Deus sempre te faz olhar para o outro lado: isto é, há a cruz, aqui, é terrível, mas há o outro lado, uma esperança, uma ressurreição. A Palavra de Deus abre-te todas as portas, pois Ele é a porta, é o Senhor. Peguemos no Evangelho, peguemos a Bíblia nas mãos: cinco minutos por dia, não mais. Levai um Evangelho convosco, na bolsa, e quando estiverdes de viagem pegai nele e lede-o, durante o dia, um pequeno trecho, deixai que a Palavra de Deus se aproxime do coração. Fazei isto e vereis como mudará a vossa vida. Com a proximidade à Palavra de Deus. “Sim, Padre, mas estou habituado a ler a Vida dos Santos”: isto faz bem, faz bem, mas não deixes a Palavra de Deus. Leva o Evangelho contigo, por dia, um minuto...

É muito bonito pensar na vida com o Senhor como uma relação de amizade que cresce dia após dia. A amizade com Deus – pesastes nisto? Mas, é a estrada! Pensemos em Deus, ele dá-nos... Deus não nos dá tanto, não? Deus ama-nos, quer-nos como amigos! A amizade com Deus tem a capacidade de transformar o coração; é um dos grandes dons do Espírito Santo, a piedade, que nos torna capazes de reconhecer a paternidade de Deus. Temos um Pai terno e carinhoso, um Pai que nos ama, que sempre nos amou: quando experimenta isto, o coração dissolve-se e as dúvidas, os receios, os sentimentos de indignidade desaparecem. Nada se pode opor a este amor do encontro com o Senhor!

E isto lembra-nos outra grande ajuda, o dom do Espírito Santo, que está presente em nós, e que nos instrui, torna viva a Palavra de Deus que lemos, sugere novos significados, abre portas que pareciam fechadas, indica sendas de vida onde parecia existir unicamente escuridão e confusão. Pergunto-vos: rezais ao Espírito Santo? Mas quem é ele? O Grande Desconhecido? Nós rezamos ao Pai, sim, o Nosso Pai, rezamos a Jesus, mas esquecemos o Espírito! Certa vez, fazendo a catequese às crianças, perguntei: “Quem de vós sabe quem é o Espírito Santo?”. E um menino: “Eu sei!” – “E quem é?” – “O paralítico”, disse-me! Ele tinha ouvido “o Paráclito”, e pensava que fosse um paralítico. E muitas vezes – isto fez-me pensar – para nós o Espírito Santo está ali, como se fosse uma Pessoa que não conta. O Espírito Santo é aquele que te dá vida para a alma! Deixa-o entrar. Falai com o Espírito assim como falais com o Pai, como falais com o Filho: falai com o Espírito Santo – que nada tem de paralítico! Ele tem a força da Igreja, é aquele que te leva em frente. O Espírito Santo é discernimento em ação, presença de Deus em nós, é o dom, a maior dádiva que o Pai garante a quantos o pedem (cf. Lc 11, 13). E Jesus como o chama? “O dom”: “Permanecei aqui em Jerusalém na espera do dom de Deus”, que é o Espírito Santo. É interessante levar a vida na amizade com o Espírito Santo: Ele muda-te, Ele faz-te crescer.

A Liturgia das Horas dá início aos principais momentos de oração do dia, com esta invocação: «Deus, vinde em nosso auxílio. Senhor, socorrei-nos e salvai-nos». «Senhor, socorrei-me!», porque sozinho não posso continuar, não posso amar, não posso viver... Esta invocação de salvação é o pedido irreprimível que brota do íntimo do nosso ser. O discernimento tem a finalidade de reconhecer a salvação realizada pelo Senhor na minha vida, lembra-me que nunca estou só e que, se luto, é porque a aposta é importante. O Espírito Santo está sempre conosco. “Oh, Padre, fiz algo negativo, devo ir confessar-me, não posso fazer nada...”. Mas, fizeste algo mau? Fala ao Espírito que está contigo e diz-lhe: “Ajudai-me, fiz algo ruim...”. Mas não canceles o diálogo com o Espírito Santo. “Padre, estou em pecado mortal”: não importa, fala com Ele assim ajudar-te-á a perdoar-te. Nunca deixes este diálogo com o Espírito Santo. E com estas ajudas que o Senhor nos oferece, não devemos ter medo! Em frente, coragem e com alegria!

Papa Francisco

Catequese na audiência geral 21.12.22

Imagem:site do vaticano