Catequeses sobre o discernimento 8. Por que estamos desolados?
Estimados irmãos e irmãs, bom dia, bem-vindos!
Retomemos hoje as catequeses sobre o tema do discernimento. Vimos como é importante ler o que se move dentro de nós, para não tomar decisões apressadas, na onda da emoção do momento, para depois nos arrependermos, quando já é demasiado tarde. Isto é, ler o que acontece e depois tomar as decisões.
Neste sentido, também o estado espiritual a que chamamos desolação, quando no coração é tudo escuro, triste, este estado de desolação pode ser ocasião de crescimento. Com efeito, se não houver um pouco de insatisfação, um pouco de tristeza saudável, uma capacidade salutar de habitar na solidão, de estar connosco próprios sem fugir, corremos o risco de permanecer sempre na superfície das coisas, sem nunca entrar em contacto com o centro da nossa existência. A desolação provoca uma “trepidação da alma”, quando alguém está triste é como se a alma tremesse; mantém-nos alerta, favorece a vigilância e a humildade, protegendo-nos contra os ventos do capricho. São condições indispensáveis para o progresso na vida e, portanto, inclusive na vida espiritual. Uma serenidade perfeita mas “assética”, sem sentimentos, quando é o critério de escolhas e comportamentos, torna-nos desumanos. Nós não podemos deixar de fazer caso aos sentimentos: somos humanos e o sentimento é uma parte da nossa humanidade; sem entender os sentimentos seríamos desumanos, sem viver os sentimentos seríamos também indiferentes ao sofrimento dos outros e incapazes de aceitar o nosso. Sem considerar que esta “serenidade perfeita” não se alcança por este caminho da indiferença. Esta distância assética: “Não me intrometo nas coisas, afasto-me”: esta não é vida, é como se vivêssemos num laboratório, fechados, para não apanhar micróbios, doenças. Para muitos santos e santas, a inquietação foi um ímpeto decisivo para fazer uma mudança na própria vida. Não é boa esta serenidade artificial, mas é boa a saudável inquietude, o coração inquieto, o coração que procura encontrar caminhos. É o caso, por exemplo, de Agostinho de Hipona, ou de Edith Stein, ou de José Benedito Cottolengo ou de Charles de Foucauld. As escolhas importantes têm um preço que a vida apresenta, um preço acessível a todos: ou seja, as escolhas importantes não se vencem com a lotaria, não; têm um preço e deves pagar aquele preço. É um preço que deves pagar com o teu coração, é um preço da decisão, um preço de levar adiante um pouco de esforço. Não é grátis, mas é um preço ao alcance de todos. Todos nós devemos pagar esta decisão para sair do estado de indiferença, que nos entristece, sempre.
A desolação é também um convite à gratuidade, a não agir sempre e unicamente em vista de uma gratificação emocional. Estar desolados oferece-nos a possibilidade de crescer, de começar uma relação mais madura, mais bela, com o Senhor e com os entes queridos, uma relação que não se reduza a uma mera troca de dar e receber. Pensemos na nossa infância, por exemplo, pensemos: quando se é criança, procura-se com frequência os pais para obter algo deles, um brinquedo, dinheiro para comprar um gelado, uma autorização... E assim procuramo-los não por eles próprios, mas por um interesse. E no entanto, o maior dom são eles, os pais, e compreendemo-lo na medida em que crescemos.
Até muitas das nossas orações são um pouco deste tipo, são pedidos de favores dirigidos ao Senhor, sem um verdadeiro interesse por Ele. Vamos pedir, pedir, pedir ao Senhor. O Evangelho observa que Jesus vivia frequentemente circundado por muitas pessoas que o procuravam para obter algo, curas, ajudas materiais, mas não simplesmente para estar com Ele. Era pressionado pelas multidões, e, contudo, estava sozinho. Alguns santos, e até certos artistas, meditaram sobre esta condição de Jesus. Poderia parecer estranho, irreal, perguntar ao Senhor: “Como estás?”. E, no entanto, é um modo muito bonito de entrar numa relação verdadeira, sincera, com a sua humanidade, com o seu sofrimento, até com a sua singular solidão. Com Ele, com o Senhor, que quis partilhar até ao fim a sua vida connosco.
Faz-nos muito bem aprender a estar com Ele, a estar com o Senhor sem outro objetivo, exatamente como nos acontece com as pessoas de quem gostamos: desejamos conhecê-las cada vez mais, porque é bom estar com elas.
Caros irmãos e irmãs, a vida espiritual não é uma técnica à nossa disposição, não é um programa de “bem-estar” interior que nos compete planificar. Não! A vida espiritual é a relação com o Vivente, com Deus, o Vivente, irredutível às nossas categorias. Então, a desolação é a resposta mais clara à objeção de que a experiência de Deus constitui uma forma de sugestão, uma simples projeção dos nossos desejos. A desolação consiste em não sentir nada, tudo escuro: mas tu procuras Deus na desolação. Em tal caso, se pensarmos que é uma projeção dos nossos desejos, seríamos sempre nós a programá-la, estaríamos sempre felizes e satisfeitos, como um disco que repete a mesma música. Ao contrário, quem reza observa que os resultados são imprevisíveis: experiências e passagens da Bíblia que muitas vezes nos entusiasmaram, hoje, estranhamente, não suscitam emoção alguma. E, igualmente de modo inesperado, experiências, encontros e leituras a que nunca se prestara atenção ou que se preferiria evitar - como a experiência da Cruz - trazem uma paz imensa. Não temais a desolação, levai-a avante com perseverança, não escapeis. E na desolação procurai encontrar o coração de Cristo, encontrar o Senhor. E a resposta chega, sempre.
Portanto, diante das dificuldades nunca devemos desanimar, por favor, mas enfrentar a provação com decisão, com a ajuda da graça de Deus que nunca nos falta. E se ouvirmos dentro de nós uma voz insistente, que nos quer distrair da oração, aprendamos a desmascará-la como a voz do tentador; e não nos deixemos impressionar: façamos simplesmente o contrário do que ela nos diz! Obrigado.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 16.11.22
Imagem: site do Vaticano