Catequeses sobre o discernimento 3. Os elementos do discernimento. A familiaridade com o Senhor
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Retomemos as catequeses sobre o tema do discernimento, pois é muito importante o tema do discernimento para saber o que acontece dentro de nós; dos sentimentos e das ideias, devemos discernir de onde veem, para onde me levam, para qual decisão - e hoje concentremo-nos no primeiro dos seus elementos constitutivos, isto é a oração. Para discernir é preciso estar num ambiente, num estado de oração.
A oração é uma ajuda indispensável para o discernimento espiritual, sobretudo quando envolve os afetos, permitindo que nos dirijamos a Deus com simplicidade e familiaridade, como se fala com um amigo. É saber ir além dos pensamentos, entrar em intimidade com o Senhor, com uma espontaneidade afetuosa. O segredo da vida dos santos é a familiaridade e a confidência com Deus, que cresce neles e torna cada vez mais fácil reconhecer o que Lhe agrada. A oração verdadeira é familiaridade e confidência com Deus. Não é recitar orações como um papagaio, blá-blá-blá, não. A verdadeira oração é aquela espontaneidade e afeto com o Senhor. Esta familiaridade supera o medo ou a dúvida de que a sua vontade não é para o nosso bem, uma tentação que às vezes atravessa os nossos pensamentos, tornando o coração inquieto e incerto ou até amargo.
O discernimento não pretende uma certeza absoluta – não é quimicamente um puro método, não, pretende uma certeza absoluta porque diz respeito à vida, e a vida nem sempre é lógica, apresenta muitos aspetos que não se deixam encerrar numa única categoria de pensamento. Gostaríamos de saber exatamente o que se deveria fazer, e, no entanto, até quando acontece, nem por isso agimos sempre em conformidade. Quantas vezes também nós vivemos a experiência descrita pelo apóstolo Paulo, que diz assim: «Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero» (Rm 7, 19). Não somos apenas razão, não somos máquinas, não é suficiente receber instruções para as pôr em prática: os obstáculos, assim como as ajudas, a decidir-se pelo Senhor são acima de tudo afetivos, do coração.
É significativo que o primeiro milagre realizado por Jesus no Evangelho de Marcos seja um exorcismo (cf. 1, 21-28). Na sinagoga de Cafarnaum, liberta um homem do demónio, livrando-o da falsa imagem de Deus que Satanás sugere desde as origens: a de um Deus que não quer a nossa felicidade. O endemoninhado daquele trecho de Evangelho, sabe que Jesus é Deus, mas isto não o leva a acreditar n’Ele. Com efeito, diz: «Vieste arruinar-nos» (v. 24).
Muitas pessoas, inclusive cristãos, pensam a mesma coisa: que Jesus pode até ser o Filho de Deus, mas duvidam que Ele quer a nossa felicidade; aliás, alguns temem que levar a sério a sua proposta, o que Jesus nos propõe, signifique arruinar a vida, mortificar os nossos desejos, as nossas aspirações mais fortes. Às vezes surgem dentro de nós estes pensamentos: que Deus nos pede demasiado, temos medo de que Deus nos peça demasiado, que não nos ame verdadeiramente. Ao contrário, na nossa primeira audiência vimos que o sinal de um encontro com o Senhor é a alegria. Quando me encontro com o Senhor na oração, fico alegre. Cada um de nós torna-se jubiloso, algo bonito. Por outro lado, a tristeza ou o medo são sinais de distância de Deus: «Se quiseres entrar na vida, observa os mandamentos», diz Jesus ao jovem rico (Mt 19, 17). Infelizmente para aquele jovem, alguns obstáculos não lhe permitiram satisfazer o desejo que tinha no coração, de seguir mais de perto o “bom mestre”. Era um jovem interessado, empreendedor, tinha tomado a iniciativa de se encontrar com Jesus, mas vivia também muito dividido nos afetos; para ele as riquezas eram demasiado importantes. Jesus não o obriga a decidir, mas o texto observa que o jovem se afasta de Jesus «contristado» (v. 22). Quem se afasta do Senhor nunca se sente satisfeito, mesmo que tenha à sua disposição uma grande abundância de bens e possibilidades. Jesus nunca obriga a segui-lo, nunca. Jesus faz-te conhecer a sua vontade, de coração faz com que saibas as coisas, mas deixa-te livre. E isto é o aspeto mais bonito da oração com Jesus: a liberdade que Ele nos deixa. Ao contrário, quando nos afastamos do Senhor permanecemos com alguma coisa triste, algo negativo no coração.
Discernir o que acontece dentro de nós não é fácil, porque as aparências enganam, mas a familiaridade com Deus pode dissipar delicadamente dúvidas e temores, tornando a nossa vida cada vez mais recetiva à sua «luz suave», de acordo com a bonita expressão de São John Henry Newman. Os santos brilham com luz refletida, mostrando nos gestos simples do seu dia a presença amorosa de Deus, que torna possível o impossível. Diz-se que dois cônjuges que viveram juntos durante muito tempo, amando-se, acabam por se assemelhar um ao outro. Algo análogo pode-se dizer da oração afetiva: de modo gradual, mas eficaz, torna-nos cada vez mais capazes de reconhecer o que conta por conaturalidade, como algo que brota das profundezas do nosso ser. Estar em oração não significa pronunciar palavras, palavras, não; estar em oração significa abrir o coração a Jesus, aproximar-se de Jesus, deixar que Jesus entre no meu coração e nos faça sentir a sua presença. E nisto podemos discernir quando é Jesus e quando somos nós com os nossos pensamentos, muitas vezes distantes daquilo que Jesus quer.
Peçamos esta graça: viver uma relação de amizade com o Senhor, como um amigo fala com o amigo (cf. Santo Inácio de Loyola, Exercícios espirituais, 53). Conheci um irmão religioso idoso que era o porteiro de um colégio e cada vez que podia ele aproximava-se da capela, olhava para o altar, e dizia: “olá”, porque tinha proximidade com Jesus. Ele não precisava de dizer blá-blá-blá, não: “olá, estou perto de ti e tu estás perto de mim”. Esta é a relação que devemos ter na oração: proximidade, proximidade afetiva, como irmãos, proximidade com Jesus. Um sorriso, um simples gesto e não recitar palavras que não chegam ao coração. Como eu dizia, falar com Jesus como um amigo fala a outro amigo. É uma graça que devemos pedir uns pelos outros: ver Jesus como o nosso amigo, o nosso maior amigo, o nosso amigo fiel, que não chantageia, sobretudo que nunca nos abandona, nem sequer quando nos afastamos d’Ele. Ele permanece à porta do coração. “Não, não quero saber de nada de ti”, dizemos. E Ele permanece calado, fica ali ao alcance das mãos, ao alcance do coração porque Ele é sempre fiel. Vamos em frente com esta oração, recitamos a prece do “olá”, a oração de saudar o Senhor com o coração, a oração do afeto, a oração da proximidade, com poucas palavras, mas com gestos e com boas obras. Obrigado.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 28.09.22