Catequese sobre a Velhice 3. A ancianidade, recurso para a juventude despreocupada
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
A narração bíblica – com a linguagem simbólica da época em que foi escrita – diz-nos algo surpreendente: Deus estava tão amargurado por causa da maldade generalizada dos homens, a qual se tinha tornado um estilo normal de vida, que pensou que tivesse cometido um erro ao criá-los e decidiu eliminá-los. Uma solução radical. Poderia até ter uma paradoxal aparência de misericórdia. Mais nenhum humano, mais nenhuma história, nem julgamento, nem condenação. E muitas vítimas predestinadas da corrupção, da violência e da injustiça seriam poupadas para sempre.
Não acontece por vezes também a nós – esmagados por um sentimento de impotência contra o mal ou desmoralizados pelos “profetas de desventura” – pensar que era melhor não ter nascido? Devemos dar crédito a certas teorias recentes que denunciam a espécie humana como um dano evolutivo para a vida no nosso planeta? Tudo negativo? Não.
De fato, estamos sob pressão, expostos a tensões opostas que nos deixam confusos. Por um lado, temos o otimismo de uma juventude eterna, aceso pelo extraordinário progresso da tecnologia, que pinta um futuro cheio de máquinas mais eficientes e inteligentes do que nós, que curarão os nossos males e pensarão nas melhores soluções para não morrermos: o mundo do robô. Por outro, a nossa imaginação parece cada vez mais centrada na representação de uma catástrofe final que nos extinguirá. O que acontece com uma eventual guerra atómica. No “dia seguinte” disto – se ainda existirmos, se houver dias e seres humanos – teremos de começar de zero. Destruir tudo para recomeçar de zero. Naturalmente, não quero banalizar o tema do progresso. Mas parece que o símbolo do dilúvio está a ganhar terreno no nosso inconsciente. De resto, a atual pandemia coloca uma não insignificante hipoteca sobre a nossa representação despreocupada das coisas que importam, para a vida e o seu destino.
Na narração bíblica, quando se trata de salvar a vida na terra da corrupção e do dilúvio, Deus confia a tarefa à fidelidade do mais velho de todos, o “justo” Noé. Irá a velhice salvar o mundo?, pergunto-me. Em que sentido? E como salvará a velhice o mundo? E qual é o horizonte? Vida para além da morte ou apenas sobrevivência até ao dilúvio?
Uma palavra de Jesus, evocando “os dias de Noé”, ajuda-nos a aprofundar o significado da página bíblica que acabámos de ouvir. Jesus, falando dos últimos tempos, diz: «Como ocorreu nos dias de Noé, acontecerá do mesmo modo nos dias do Filho do Homem. Comiam e bebiam, os homens casavam-se e as mulheres davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca. Veio o dilúvio e matou todos» (Lc 17, 26-27). De facto, comer e beber, casar, são coisas muito normais e não parecem ser exemplos de corrupção. Onde está a corrupção? Onde havia corrupção lá? Com efeito, Jesus sublinha o facto de que os seres humanos, quando se limitam a desfrutar da vida, perdem até a percepção da corrupção, que mata a sua dignidade e envenena o seu significado. Quando se perde a percepção da corrupção, e a corrupção torna-se algo normal: tudo tem o seu preço, tudo! Compra-se, vende-se, opiniões, gestos de justiça… Isto, no mundo dos negócios, no mundo de tantos ofícios, é comum. E também vivem a corrupção despreocupadamente, como se fizesse parte da normalidade do bem-estar humano. Quando deves fazer alguma coisa e é lento, aquele processo de fazer um pouco lento, quantas vezes ouvimos dizer: “Mas, se me ofereces uma gorjeta eu acelero isto”. Muitas vezes. “Dá-me alguma coisa e vou em frente”. Sabemo-lo bem, todos nós. O mundo da corrupção parece parte da normalidade do ser humano; e isto é negativo. Esta manhã falei com um senhor que me contava sobre este problema na sua terra. Os bens da vida são consumidos e apreciados sem preocupação pela qualidade espiritual da vida, sem cuidados com o habitat da casa comum. Explora-se tudo, sem preocupação com a mortificação e o desânimo de que muitos sofrem, nem com o mal que envenena a comunidade. Desde que a vida normal possa ser preenchida com “bem-estar”, não queremos pensar no que a torna vazia de justiça e amor. “Mas, eu estou bem! Por que devo pensar nos problemas, nas guerras, na miséria humana, na pobreza e na malvadez? Não, eu estou bem. Não me importo com os outros”. Este é o pensamento inconsciente que nos leva em frente a viver um estado de corrupção.
Pode a corrupção tornar-se normalidade?, pergunto-me. Irmãos e irmãs, infelizmente, sim. Pode-se respirar o ar da corrupção como se respira o oxigénio. “Mas é normal; se quiser que eu faça isto depressa, quanto me dá?”. É normal! É normal, mas é negativo, não é bom! O que lhe abre a estrada? Uma coisa: a despreocupação que considera só a si mesmo: este é o corredor que abre a porta para a corrupção que envolve a vida de todos. A corrupção tira grande vantagem desta despreocupação ímpia. Quando a uma pessoa tudo corre bem e não lhe importa dos outros: esta despreocupação suaviza as nossas defesas, entorpece a nossa consciência e torna-nos – até involuntariamente – cúmplices. Pois a corrupção não caminha sozinha: uma pessoa sempre tem cúmplices. E a corrupção alarga-se, alarga-se sempre.
A velhice está na posição adequada para compreender o engano desta normalização de uma vida obcecada pelo prazer e vazia de interioridade: vida sem pensamento, sem sacrifício, sem interioridade, sem beleza, sem verdade, sem justiça, sem amor: isto tudo é corrupção. A sensibilidade especial de nós idosos, da idade anciã às atenções, pensamentos e afetos que nos tornam humanos deve voltar a ser uma vocação para muitos. E será uma escolha de amor dos idosos para com as novas gerações. Seremos nós a dar o alarme, o alerta: “Está atento, que esta é a corrupção, não te traz nada”. Hoje é tão necessária a sabedoria dos idosos, para ir contra a corrupção. As novas gerações esperam de nós, idosos, de nós anciãos uma palavra que seja profecia, que abra as portas a novas perspectivas fora deste mundo despreocupado da corrupção, do hábito às coisas corruptas. A bênção de Deus escolhe a velhice para este carisma tão humano e humanizador. Que sentido tem a minha velhice? Cada um de nós idosos podemos perguntar. O sentido é este: ser profeta da corrupção e dizer aos outros: “Parai, eu percorri aquela estrada e não vos leva a nada! Agora digo-vos a minha experiência”. Nós idosos devemos ser profetas contra a corrupção, como Noé foi o profeta contra a corrupção do seu tempo, pois foi o único em quem Deus confiou. Pergunto a todos vós – e também a mim: o meu coração está aberto a ser profeta contra a corrupção de hoje? Há um aspecto negativo, quando os idosos não amadurecem e ficam velhos com os mesmos hábitos corruptos dos jovens. Pensemos na narração bíblica dos juízes de Susana: são o exemplo de uma velhice corrupta. E nós, com uma velhice assim não seremos capazes de ser profetas para as jovens gerações.
E Noé é o exemplo desta velhice generativa: não é corrupta, é generativa. Noé não prega, não se queixa, não recrimina, mas cuida do futuro da geração que está em perigo. Nós idosos devemos cuidar dos jovens, das crianças que estão em perigo. Ele constrói a arca de acolhimento e faz entrar homens e animais. Ao cuidar da vida, em todas as suas formas, Noé cumpre a ordem de Deus ao repetir o gesto terno e generoso da criação, que na realidade é o próprio pensamento que inspira a ordem de Deus: uma nova bênção, uma nova criação (cf. Gn 8, 15-9, 17). A vocação de Noé permanece sempre atual. O santo patriarca ainda deve interceder por nós. E nós, mulheres e homens de uma certa idade – para não dizer velhos, pois alguns se ofendem – não esqueçamos que temos a possibilidade da sabedoria, de dizer aos outros: “Olha, esta estrada de corrupção não leva a nada”. Nós devemos ser como o bom vinho que no final quando fica velho pode oferecer uma mensagem positiva e não negativa.
Lanço um apelo, hoje, a todas as pessoas que têm uma certa idade, para não dizer velhos. Estai atentos: tendes a responsabilidade de denunciar a corrupção humana na qual se vive e na qual vai em frente este modo de viver de relativismo, totalmente relativo, como se tudo fosse lícito. Vamos em frente. O mundo precisa, tem necessidade de jovens fortes, que vão em frente, e de idosos sábios. Peçamos ao Senhor a graça da sabedoria.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 16.03.2022