Catequese sobre a Carta aos Gálatas 13. O fruto do Espírito
A pregação de São Paulo é totalmente centrada em Jesus e no seu mistério pascal. De facto, o Apóstolo apresenta-se como anunciador de Cristo, e de Cristo crucificado (cf. 1 Cor 2, 2). Aos Gálatas, tentados a basear a sua religiosidade na observância de preceitos e tradições, ele recorda o centro da salvação e da fé: a morte e a ressurreição do Senhor. Fá-lo colocando diante deles o realismo da cruz de Jesus. Escreve: «Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, vós, perante cujos olhos foi apresentado Jesus Cristo crucificado?» (Gl 3, 1). Quem vos fascinou para vos afastar de Cristo Crucificado? Trata-se de um momento terrível para os Gálatas…
Ainda hoje, muitos procuram a certeza religiosa em vez do Deus vivo e verdadeiro, concentrando-se em rituais e preceitos em vez de abraçar o Deus do amor com todo o seu ser. E esta é a tentação dos novos fundamentalistas, daqueles aos quais parece que a estrada a percorrer provoque temor e não vão em frente, mas voltam para trás pois se sentem mais seguros: procuram a segurança de Deus e não o Deus da segurança. É por isso que Paulo pede aos Gálatas que voltem ao essencial, a Deus que nos dá a vida em Cristo crucificado. Ele testemunha isto em primeira pessoa: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20). E no final da Carta, afirma: «Quanto a mim, Deus me livre de me gloriar a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo» (6, 14).
Se nós perdermos o fio da nossa vida espiritual, se mil problemas e pensamentos nos assolarem, façamos nossos os conselhos de Paulo: coloquemo-nos diante de Cristo Crucificado, comecemos de novo a partir d’Ele. Peguemos o Crucifixo nas mãos, tenhamo-lo perto do nosso coração. Ou façamos uma pausa em adoração antes da Eucaristia, onde Jesus é Pão partido para nós, o Crucificado Ressuscitado, o poder de Deus que derrama o seu amor nos nossos corações.
E agora, novamente guiados por São Paulo, demos um ulterior passo. Perguntemo-nos: o que acontece quando encontramos Jesus Crucificado na oração? Verifica-se o que aconteceu sob a cruz: Jesus entrega o Espírito (cf. Jo 19, 30), ou seja, doa a sua própria vida. E o Espírito, que flui da Páscoa de Jesus, é o princípio da vida espiritual. É Ele que muda o coração: não as nossas obras. É Ele que muda o coração, não as coisas que nós fazemos, mas a ação do Espírito Santo em nós muda o coração! É ele quem guia a Igreja, e nós somos chamados a obedecer à sua ação, que vai para onde e como ele quiser. Além disso, foi precisamente a constatação de que o Espírito Santo descia sobre todos e que a sua graça agia sem exclusão que convenceu também os mais relutantes dos Apóstolos de que o Evangelho de Jesus era destinado a todos e não a uns poucos privilegiados. E aqueles que procuram a segurança, o pequeno grupo, as coisas claras como outrora, afastam-se do Espírito, não deixam que a liberdade do Espírito entre neles. Assim, a vida da comunidade regenera-se no Espírito Santo; e é sempre graças a Ele que alimentamos a nossa vida cristã e continuamos a nossa luta espiritual.
Precisamente o combate espiritual é outro grande ensinamento da Carta aos Gálatas. O Apóstolo apresenta duas frentes opostas: por um lado as «obras da carne», por outro o «fruto do Espírito». Quais são as obras da carne? São comportamentos contrários ao Espírito de Deus. O Apóstolo chama-lhes obras da carne não porque há algo de errado ou mau na nossa carne humana; pelo contrário, vimos como ele insiste no realismo da carne humana suportada por Cristo na cruz! Carne é uma palavra que indica o homem na sua dimensão terrena, fechado em si mesmo, numa vida horizontal, onde os instintos mundanos são seguidos e a porta se fecha ao Espírito, que nos eleva e nos abre a Deus e aos outros. Mas a carne também nos lembra que tudo isto envelhece, que tudo isto passa, apodrece, enquanto o Espírito dá vida. Paulo enumera assim as obras da carne, que se referem ao uso egoísta da sexualidade, a práticas mágicas que são idolatrias e ao que mina as relações interpessoais, como «contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos…» (cf. Gl 5,19-21). Tudo isto é o fruto – digamos assim – da carne, de um comportamento apenas humano, “doentiamente” humano, pois o humano tem os seus valores, mas tudo isto é “doentiamente” humano.
O fruto do Espírito, ao contrário, é «caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança» (Gl 5, 22): assim diz Paulo. Os cristãos, que no batismo se revestiram «de Cristo» (cf. Gl 3, 27), são chamados a viver deste modo. Pode ser um bom exercício espiritual, por exemplo, ler a lista de São Paulo e observar a própria conduta, para verificar se corresponde, se a nossa vida está verdadeiramente de acordo com o Espírito Santo, se dá estes frutos. A minha vida produz estes frutos de caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança? Por exemplo, os três primeiros são caridade, paz e alegria: por isto se reconhece se uma pessoa é habitada pelo Espírito Santo. Uma pessoa que está em paz, que rejubila e que ama: com estas três caraterísticas vê-se a ação do Espírito.
Este ensinamento do Apóstolo representa também um grande desafio para as nossas comunidades. Por vezes, aqueles que se aproximam da Igreja têm a impressão de estarem perante uma grande quantidade de comandos e preceitos: mas não, esta não é a Igreja! Esta pode ser qualquer associação. Na realidade, porém, a beleza da fé em Jesus Cristo não pode ser apreendida com base em demasiados mandamentos e numa visão moral que, desenvolvendo-se em muitas correntes, pode fazer-nos esquecer a fecundidade original do amor, alimentado pela oração que doa a paz e pelo testemunho jubiloso. Da mesma forma, a vida do Espírito expressa nos sacramentos não pode ser abafada por uma burocracia que impede o acesso à graça do Espírito, autor da conversão do coração. E quantas vezes nós mesmos, sacerdotes ou bispos, temos tanta burocracia para dar um Sacramento, para acolher as pessoas, que consequentemente dizem: “Não, não gosto disto”, e vão embora, e não veem em nós, muitas vezes, a força do Espírito que regenera, que nos faz novos. Por conseguinte, temos a grande responsabilidade de anunciar Cristo crucificado e ressuscitado, animados pelo sopro do Espírito de amor. Pois só este Amor tem o poder de atrair e mudar o coração do homem.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 27.10.21