Catequese sobre a Carta aos Gálatas - 7. Gálatas insensatos
Continuaremos a explicação da Carta de São Paulo aos Gálatas. Isto não é uma coisa nova, esta explicação, uma coisa minha: o que estamos a estudar é o que diz São Paulo, num conflito muito sério, aos Gálatas. E é também Palavra de Deus, porque entrou na Bíblia. Não é algo que alguém inventou, não. Aconteceu naquele tempo e pode repetir-se. E, de facto, vimos que na história isto repetiu-se. Esta é simplesmente uma catequese sobre a Palavra de Deus, expressa na Carta de Paulo aos Gálatas, nada mais. Devemos ter sempre isto em mente. Nas catequeses anteriores vimos que o Apóstolo Paulo mostrou aos primeiros cristãos da Galácia como era perigoso deixar o caminho que tinham iniciado a percorrer ao aceitar o Evangelho. Com efeito, o risco é cair no formalismo, que é uma das tentações que nos leva à hipocrisia, da qual falávamos na semana passada. Cair no formalismo e negar a nova dignidade que receberam: a dignidade de remidos por Cristo. O trecho que acabámos de ouvir dá início à segunda parte da Carta. Até este ponto, Paulo falou da sua vida e da sua vocação: de como a graça de Deus transformou a sua existência, colocando-a completamente ao serviço da evangelização. Neste ponto, interpela diretamente os Gálatas: põe-nos diante das escolhas que fizeram e da sua condição atual, o que poderia anular a experiência de graça que viveram.
E os termos com os quais o Apóstolo se dirige aos Gálatas certamente não são gentis: ouvimo-los. Nas outras Cartas é fácil encontrar a expressão “irmãos” ou “caríssimos”, aqui não. Pois está zangado. Diz genericamente “Gálatas” e duas vezes lhes chama “insensatos”, que não é um termo gentil. Estultos, insensatos e pode dizer muitas coisas... Não o faz porque não são inteligentes, mas porque, quase sem se aperceberem, correm o risco de perder a fé em Cristo que aceitaram com tanto entusiasmo. São insensatos porque não se apercebem de que o perigo é o de perder o tesouro precioso, a beleza da novidade de Cristo. A desilusão e a tristeza do Apóstolo são evidentes. Não sem amargura, ele provoca esses cristãos a lembrarem-se do primeiro anúncio feito por ele, através do qual lhes ofereceu a possibilidade de obter uma liberdade até então inesperada.
O Apóstolo faz perguntas aos Gálatas a fim de despertar as suas consciências: por isso é tão forte. Trata-se de questões retóricas, pois os Gálatas sabem muito bem que a sua chegada à fé em Cristo é fruto da graça recebida através da pregação do Evangelho. Leva-os ao início da vocação cristã. A palavra que ouviram de Paulo centrou-se no amor de Deus, plenamente manifestado na morte e ressurreição de Jesus. Paulo não conseguiu encontrar uma expressão mais convincente do que aquela que provavelmente lhes tinha repetido várias vezes na sua pregação: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim» (Gl 2, 20). Paulo mais não queria saber do que de Cristo crucificado (cf. 1 Cor 2, 2). Os Gálatas devem olhar para este evento, sem se deixarem distrair por outros anúncios... Em suma, a intenção de Paulo é colocar os cristãos em condições para que se apercebam do que está em jogo e não se deixem encantar pela voz das sereias que os querem conduzir a uma religiosidade baseada unicamente na observância escrupulosa dos preceitos. Pois eles, os pregadores novos que chegaram à Galácia, convenceram-nos que deviam voltar atrás e observar também os preceitos que levam à perfeição antes da vinda de Cristo, que é a gratuidade da salvação.
Por outro lado, os Gálatas compreendiam muito bem ao que o Apóstolo se referia. Tinham certamente experimentado a ação do Espírito Santo nas comunidades: como nas outras Igrejas, também a caridade e vários outros carismas se tinham manifestado entre eles. Ao serem postos à prova, tiveram de responder que quanto tinham vivido era fruto da novidade do Espírito. Portanto no início da sua chegada à fé, estava a iniciativa de Deus e não a dos homens. O Espírito Santo tinha sido o protagonista da sua experiência; colocá-lo agora em segundo plano a fim de dar primazia às próprias obras – isto é ao cumprimento dos preceitos da Lei – seria uma insensatez. A santidade vem do Espírito Santo e é a gratuidade da redenção de Jesus: isto justifica-nos.
Deste modo, São Paulo convida também a nós a refletir: como vivemos a fé? Será que o amor de Cristo crucificado e ressuscitado permanece no centro da nossa vida quotidiana como fonte de salvação, ou será que nos contentamos com algumas formalidades religiosas para estar em paz com a nossa consciência? Como vivemos nós a fé? Estamos apegados ao tesouro precioso, à beleza da novidade de Cristo, ou preferimos algo que neste momento nos atrai, mas que depois nos deixa vazios por dentro? O efémero bate muitas vezes à porta dos nossos dias, mas é uma triste ilusão, que nos faz cair na superficialidade e nos impede de discernir aquilo por que realmente vale a pena viver. Irmãos e irmãs, no entanto, mantenhamos a certeza de que, mesmo quando somos tentados a afastar-nos, Deus continua a conceder os seus dons. Ao longo da história, e ainda hoje, se verificam coisas que se assemelham ao que aconteceu aos Gálatas. Também hoje algumas pessoas nos fazer arder as orelhas dizendo: “Não, a santidade está nestes preceitos, nestas coisas, é preciso fazer isto e aquilo”, e propõem-nos uma religiosidade rígida, a rigidez que nos tira aquela liberdade no Espírito que a redenção de Cristo nos dá. Estai atentos perante a rigidez que vos propõem: estai atentos. Pois por detrás de cada rigidez há algo negativo, não existe o Espírito de Deus. É por isso que esta Carta nos ajudará a não ouvir estas propostas meio fundamentalistas que nos fazem retroceder na nossa vida espiritual, e nos ajudará a avançar na vocação pascal de Jesus. É isto que o Apóstolo reitera aos Gálatas quando lhes recorda que o Pai «doa o Espírito abundantemente, e realiza obras maravilhosas entre vós» (3, 5). Ele fala no presente, não diz “o Pai doou o Espírito em abundância”, capítulo 3, versículo 5, não: diz “doa”; não diz “realizou”, não, “realiza”. Pois, apesar de todas as dificuldades que possamos colocar à sua ação, inclusive não obstante os nossos pecados, Deus não nos abandona, mas permanece connosco com o seu amor misericordioso. Deus está sempre próximo de nós com a sua bondade. É como aquele pai que todos os dias subia ao terraço para ver se o filho voltava: o amor do Pai não se cansa de nós. Peçamos a sabedoria de nos apercebermos sempre desta realidade e de afastar os fundamentalistas que nos propõem uma vida de ascese artificial, afastada da ressurreição de Cristo. A ascese é necessária, mas a ascese sábia, não artificial.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral 01.09.2021