Senhor, faze com que, todos os dias, tenhamos a capacidade de passar da mera evocação dos símbolos à concretude do real, verdadeiramente atentos à gestação do mundo e empenhados em descrevê-la. Que saibamos apreciar a flagrante imediaticidade com que a vida se dá, mas também as suas camadas profundas, ocultas, quase geológicas.

Que, no instante e na duração, saibamos proteger, hoje e sempre, aquilo que é vivo, que é minúsculo, que está desperto e fremente, e a sua obra maravilhosa. E que façamos isso não como mestres, mas sim como colaboradores de uma imensidão que nos supera e ao mesmo tempo nos engloba.

Recebemos a aurora e o verde azulado dos bosques. Recebemos o silêncio intacto dos espaços. Recebemos a música do vento. Mas também recebemos a sofrida marcha da história. O fragmentário desígnio da nossa conversa humana. Essa espécie de parto interminável que torna todos os inquilinos da Terra semelhantes, entre dor e esperança.

Curva-te benigno, Senhor, sobre o nosso esforço de semeadores mais do que de ceifeiros, sobre o nosso esforço de operários, artífices, carregadores de água e construtores. E que a nossa oração se prolongue confiante quanto uma sintonia renovada com o Espírito, entre a leveza do dom e o empenho na luta.

Dom  José Tolentino Mendonça

In: Avvenire, 01-10-2020   (tradução de Moisés Sbardelotto)