“Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!” (Mc 1,3)

Desejo, anseio, expectativa... Isso é o que nos invade quando sentimos que se aproxima algo/alguém que esperamos profundamente. Pois isso é o Advento. Tempo para os grandes sonhos. Só os medíocres ou os desesperançados renunciam sonhar. Pois bem, se um grande desejo nos move, é tempo para levantar a cabeça de novo, ampliar o olhar, tanto para fora quanto para dentro. Deixar que ressoe como uma promessa o grito de um Deus que atravessa o tempo para nos dizer: “aproxima-se vossa libertação!”.

O Advento é um tempo inspirador. Talvez porque seja um tempo de espera. Como na gravidez, um tempo de interioridade, onde uma vida vai crescendo no escuro e protegido ventre materno. Advento nos chama a olhar-nos por dentro, a descobrir aquilo que já não serve para deixá-lo; também descobrir a vida que pulsa buscando sair à luz. Ali podem se esconder os brotos verdes dos quais ainda não se manifestaram.

Por isso, viver o Advento é viver em permanente travessia, em contínuo deslocamento. A imagem do “fazer caminho” perpassa todo esse tempo litúrgico. E o apelo mobilizador que emerge é este: “fazei-vos itinerantes!”. O Advento vem ao nosso encontro e nos desafia: “Tu és caminho!”.

Os caminhos estão dentro de nós; temos “fome e sede de estradas”. Todo ser humano é “homo viator”, um caminhante pelos caminhos da vida; ele não recebe a existência pronta. O “ser humano é terra que caminha” (Yupanqui). Seu caminho pessoal tem de ser desbravado com criatividade, ousadia e destemor.

O caminho não é só o trajeto de uma pessoa para Deus, mas também o trajeto de Deus em sua aproximação a cada um de nós. A realidade está perpassada por um Deus que também empreendeu um caminho em direção à humanidade.

O ser peregrino por parte do ser humano corresponde ao ser peregrino por parte de Deus.

O caminho se converte, então, em caminho para um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos.

Todo caminho é um mundo de relações; relações livres porque não sabemos com quem vamos encontrar; falamos de igual para igual, compartilhamos alegrias e tristezas, nossa conversação, nossa ajuda. Não há pré-juizos no trato mútuo, ajudamos e somos ajudados, carregamos a mochila de nosso irmão cansado, curamos suas bolhas nos pés; aproximamo-nos das pessoas sem barreiras, superando fronteiras de raça, credo e cultura.

O caminho faz do peregrino um obsessivo-apaixonado, pois está centrado numa única preocupação que é fazer o percurso, chegar à meta. “Nós pensamos e sentimos a partir de onde estão nossos pés” (Frei Betto).

O caminho nos põe em contato conosco e ajuda a nos conhecer melhor (o percurso externo é visibilização da viagem interior). O caminho externo é prolongamento do caminho interno, percorrido e saboreado. Só quem transita com liberdade pelos caminhos interiores será capaz de ir ao encontro dos outros e entrar em sintonia com eles pelos caminhos da vida. Viver percursos internos expande a mente, alarga o coração, eleva os sentimentos.

No contexto pós-moderno, onde predomina o uso dos meios eletrônicos, os “lugares virtuais” acabam determinando nossa vida, nosso modo de pensar, nossa visão, nosso sentir... Enquanto a tecnologia nos permite transitar por todos os lugares e encontrar pessoas mais distantes, cresce, no entanto, o medo do outro, daquele que é “diferente” de nós, daquele que não pensa como nós, encerrando-nos em pequenos mundos. Assim, os “percursos virtuais” acabam atrofiando nosso horizonte, nossos desejos e inspirações; as relações são frias, neutras, não nos comprometemos com o outro e não permitimos o confronto. Não tem sentido fazer caminho externo se nossa mente permanece estreita, se nosso coração continua insensível, se nossas mãos estão atrofiadas, se nossa criatividade sente-se bloqueada...

Portanto, Advento significa contínuo êxodo do lugar estreito e dispersivo  ao lugar expansivo e unificante, travessia dos lugares auto-referenciais para os amplos lugares humanizadores. Assim, este tempo litúrgico nos pede deslocamento de nossos lugares onde controlamos; supõe travessia para espaços onde não somos o centro. Falamos de diferentes espaços: religioso, afetivo, gênero, ideias, crenças, ideologias...

Assim, ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas. Quando os caminhos interiores são abrasados e iluminados pela força do Espírito peregrino, começam a cair nossas falsas seguranças, suspeitas e preconceitos e a nossa vida se abre à grande novidade que o Deus surpreendente nos reserva.

O caminho é a experiência de uma grande liberdade pela via do desprendimento (coisas, apegos, ideias fixas, posturas fechadas, conservadorismo...) e aí se abre a possibilidade de um encontro com o Transcen-dente, com Deus; é muito comum que uma pessoa, ao fazer esse caminho exterior e interior, espontane-amente eleve os olhos ao alto, expresse gratidão, ou se retire para orar... Assim, Advento nos move à conversão pois se manifesta como um chamado a uma vida mais simples, partilhada, apaixonada, natural, livre, transcendente, intensa, comprometida...

Nosso caminhar pessoal, familiar, social, histórico... é um caminhar para frente, para o melhor, para a superação constante...; é um caminhar que se abre a nós cheio de possibilidades, que alimenta a esperança, que nos enche de novas energias..., porque Deus, que é novidade constante, nos impulsiona a partir de dentro.

Se considerarmos o novo ano litúrgico a partir desta perspectiva, seremos capazes de romper com a rotina para deixar-nos surpreender, comover e mobilizar. Já não será “outro Advento a mais”, senão “um Advento novo e diferente”; nem “um Natal a mais”, senão “um Natal novo e inesquecível” ...

“Aplainai o caminho do Senhor!”. É o grito do profeta João. O que devemos ter em conta hoje é que “o Senhor” não tem que vir de fora, mas deixá-lo surgir a partir de dentro. Como conseguir isso? Afastando de nós tudo o que impede a manifestação do divino em nós.

Por isso, preparar o caminho do Senhor implica desejo, conversão, empenho e confiança. Tudo na vida requer preparo, e toda preparação exige empenho e mudança..., envolve uma espera. Somos feitos disso: desejo, súplica, anseio, busca, esperança... No mais profundo de cada um há uma carência que nos faz bradar ao Eterno, pedindo ajuda: “Vem, Senhor, nos salvar! Vem sem demora nos dar a paz!” Tudo aponta para o vazio infinito dentro de nós, ressoando uma certeza: Ele vem!

Despertos e libertados podemos sair ao encontro d’Aquele que nos quer encontrar.

Texto bíblico:  Mc 1,1-8

Na oração: O caminho que temos de percorrer durante o ano litúrgico é longo: entrar em nossa casa, entrar em nosso interior requer tempo. Como dizia S. Bernardo: “não se trata de atravessar mares, de escalar o céu, de ultrapassar as nuvens, de cruzar vales ou de escalar montanhas. É para ti mesmo que deves caminhar; habitar-te e não ser casa vazia ou cheia de espíritos que não são teu espírito, tu mesmo”.

- Aproveita este Advento para sacudir a preguiça e sair para Aquele que vem ao teu encontro; propicia espaços nos quais possas escutar a voz do Espírito que em teu interior te recorda quem és: filho(a) e irmão(ã)!

-Está dentro de ti o caminho que tens a percorrer; para o mais profundo teu; é ali onde Deus te espera e deseja encontrar-se contigo, realizar o Natal.

Pe. Adroaldo Palaoro sj

11.12.23