A “primeira eucaristia” é, sem dúvida, o auge da iniciação à vida cristã. A eucaristia, já dizia a Sacrossanctum Concilum, é fonte de todo sacramento (cf. SC 10). A Tradição nos ensina que o melhor modo de aderir à fé cristã é a recepção, nessa ordem, dos sacramentos do batismo, crisma e eucaristia, oxalá, concomitantemente. A prática pastoral e jurídica (cf. Cân. 914) vigente reorganizou essa estrutura bimilenar, substituindo a crisma pela penitência (reconciliação).


Levando em conta que o sacramento da reconciliação visa a readmissão de batizados, que pecaram gravemente, ao convívio eclesial (cf. Mt 18,15-18), fica desprovida de significado a prática desse sacramento por crianças, pois se trata de “levantar a excomunhão”, um “batismo laborioso”, que supõe, da parte do penitente, consciência, sobretudo, de pecado grave, atitude de conversão e desejo de reorientar a vida para Deus.


Bastar-nos-ia recorrer à estrutura do sacramento, cujo acento proeminente, pelo menos numa leitura nossa[1] a partir da Introdução do Rito de Penitência[2] vigente, está na contrição do penitente, sem o qual não há verdadeiro sacramento, para perceber que ele o é para cristãos adultos na fé. Aqui já aparece o primeiro obstáculo dessa (des)ordem, sobretudo se levamos em conta que são infantes (em geral com a idade de 10 ou 11 anos) os que são incorporados à ceia eucarística. Não deixa de ser também verdadeiro que essa prática nos possibilita enxergar uma solução prático-pastoral. É o que veremos!


(1) O entrave. O que um infante, catequizando, tem de conscientemente grave para pedir que a Igreja o readmita ao corpo dos batizados? Em que pecado mortal poderia ele atar-se, se ainda está sendo educado[3] na fé? Parece-nos um contrassenso a administração desse sacramento a crianças, mesmo que o motivo seja o de iniciá-la no exercício da confissão auricular, que, segundo o Rito de Penitência não é a única via possível para a vivência e acesso ao perdão. Bastaria uma catequese mistagógica, feita de prática das virtudes cristãs, quiçá uma conversa com o presbítero da comunidade, mas não sob forma sacramental. A própria Tradição sabe que para pecados veniais,-  estes sim identificáveis na vida infantil, - não é necessária nem confissão pública (prática medieval) nem privada (auricular). Aliás, a própria eucaristia perdoa pecados, uma vez que ela é o próprio Cristo.


(2) Caminhos possíveis. Há uma diversidade de modos cotidianos de celebrar a misericórdia de Deus que precisam ser recuperados, porque pré-requisitos importantes para uma frutuosa satisfação do sacramento da reconciliação. Será mais interessante que a administração da modalidade auricular / particular da “primeira confissão” aconteça a posteriori. Prática que já é vivida, oficialmente, em Igrejas da Holanda, Bélgica, França, etc[4], que prorrogam a chamada “primeira confissão” para um ou dois anos depois da “primeira comunhão”. Ademais, e aqui estaria uma possível solução, de viés menos programático que a prática das Igrejas acima, deveríamos resgatar o aspecto reconciliador singular da eucaristia, sobremaneira no caso da relação perdão + misericórdia e “primeira comunhão”. Lembremo-nos que existem outras formas oficiais de celebrar a reconciliação. O Rito de Penitência sugere muitas modalidades celebrativas interessantes. Assumir tais modalidades, não particularistas, seria extremamente pertinente para visibilizar a face comunitária do sacramento da reconciliação, que fica em débito quando ela é praticada tão somente sob o modo privado.


Fica a certeza de que a confissão auricular, bastante praticada na Igreja do Brasil (“confissão de devoção”[5]), quase de modo único e exclusivo, precisa ser arejada, não só porque não é a única maneira de celebrar o sacramento da reconciliação, mas porque, ventilada e salpicada com formas mais comunitárias, faria a Igreja viver constantemente a dinâmica do perdão (cf. Mt 18,22).


É oportuno e salutar instituir, de modo mais orgânico, as celebrações comunitárias da penitência, não estritamente sacramentais, de modo pedagógico para crianças, mas também para adultos. Com isso, apesar das críticas, a prática individual desse sacramento, não seria esvaziada, mas valorizada, além de conferir maior eficácia à confissão auricular.

 

 

[1] A “forma”, que determina a “matéria”, desse sacramento foi entendida como sendo as “palavras da absolvição” (DH 1673), que a nosso modo de compreender reduz o efeito sacramental: reconciliação com Deus, em última instância, porque reconciliação com o seu corpo, a Igreja (DH 1674; 4128).

[2] Cf. Rito da Penitência, Introdução, p. 13.

[3] Educação cristã que não se completa por uma espécie de graduação catequética.

[4] RAMOS-REGIDOR, J. Teologia do Sacramento da Penitência. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 376.

[5] Idem, p. 357.


Rodrigo Ladeira

Teólogo e professor no Curso de Especialização em Teologia-Centro Loyola-BH

01.11.2012