Meu Ipê começou a florir. Ele esperava pela chuva, certamente. Desabrochou seu amarelo ouro pra encantar a vida.

Tenho um Ipê no meu quintal. Herança de meu pai, que adorava árvores que florescem. É dele também outra herança: o flamboyant!

Eu adotei o Ipê do papai. E passei a observá-lo com os olhos do coração e da sensibilidade. Ah! Quanta coisa a aprender com a beleza que a natureza nos oferece. Oferecimento gratuito...silencioso... e ao mesmo tempo gritante.

Meu Ipê não é tão majestoso quantos outros que olhei. Tem um porte mediano, simples, porém é esguio, vaidoso. Sabe que é observado por olhos curiosos e ávidos pelos detalhes. Caprichosamente ele se deixa observar, como que querendo dizer: “Põe seu olhar em mim e veja o que lhe reservo”.         

Mais animado ainda ficou meu olhar. Observei-o atentamente e fui captando, a cada dia, as mudanças que meu Ipê se permitia. E, quanta boa surpresa tem acontecido.

É mágico e belo o que acontece. Como um ritual, o Ipê desenha sua trajetória de transformação. Como a ‘sabedoria bíblica’, o Ipê brinca diante da presença de Deus e de todos nós, homens e mulheres, enfeitando nossa existência. Longo tempo, o Ipê é geometria de galhos entrelaçados. Aos poucos, os desenhos geométricos, se enchem de folhas, vocacionadas a cair para tornarem-se tapete aos pés descalços. As folhas caem, mas não se inutilizam. Tornam-se passarela para os passos. Quilômetros deles!

O desejo das folhas é darem lugar ao amarelo ouro das flores! Elas se abdicam dos galhos do Ipê e da altura, para que o perfume, a cor e felicidade das flores, se tornem espaço de encantamento. As folhas têm seu encanto, claro. Mas elas duram o tempo de dar seu lugar a outras possibilidades.

As flores vêem tocar outra sinfonia, diferente da sinfonia das folhas. Flores...flores...tocam a sinfonia da liberdade, da ausência de fardos, da alegria, do lúdico.

O Ipê, com sua pedagogia e espiritualidade, vem ensinando-me a beleza do “transformar-me”. Que delicia saber-me com essa perspectiva: transformação é fruto da persistência que busca novas metas e novas realizações.

Posso realizar-me como folha, mas a realização da flor é a ousadia. A flor do meu Ipê é ousada, pois curta é sua existência. Ela é o avanço da folha e a canção da vida! É a razão de ser da árvore, e o colorido dos jardins. É a brincadeira da árvore e a felicidade das folhas.

Minha vida tem seu momento de folha: preenche o galho seco do Ipê, dá-lhe abrigo ao frio e ao calor. Cai para a possibilidade da flor. Eu posso preencher vazios existenciais dentro de mim, alimentar por um tempo a solidão da minha alma e... sair sorrateiramente para que a inteireza da beleza resplandeça. Vazios preenchidos, solidão acompanhada. Outro rito tem seu inicio: o rito do encanto da cor da flor, do cheiro e da alegria! Um rito não anula outro. Complementa-o. Dá-lhe significado. O rito do Ipê em flor é pura oração. É conversa comigo mesma. É silêncio que grita.

Adoro os ritos. Especialmente a mudança deles e sua complementaridade! Ritos organizam e enfeitam a vida! Contam experiências vividas de relacionamentos, de amor, de encontros e saudades. De esperança e sonhos.

Minha vida quer ser liturgia a cada instante alimentada pela espiritualidade de meu Ipê.  Seqüencia de ritos: árvore, galhos entrelaçados, folhas, flores. Puro sentimento, sinais e gestos. O que é real-meu momento e o que eu espero-minha parusia!

Rita de Cássia Rezende

Coordenadora da Comissão para Animação Bíblico-Catequética de Pouso Alegre-MG