Senhor, tende misericórdia dos que andam de ônibus e sonham, no longo percurso, com o conforto solitário dos automóveis. Mas tende misericórdia também dos que andam de automóvel e enfrentam a cidade movediça de seres agressivos e sem direção.

Tende misericórdia das famílias da periferia, dos jovens e adolescentes da periferia que sonham com um futuro tão improvável quanto o país que lhes foi prometido.

Mas tende misericórdia, também, das famílias de classe média, dos jovens de classe média, dos ricos e remediados, pois todos precisam, igualmente, de tua proteção e teus cuidados.

Tende misericórdia dos pobres que enriqueceram, dos ricos que perderam tudo, mas livrai-nos a todos da riqueza que empobrece e dá-nos a bênção da simplicidade que enriquece.

Tende misericórdia dos homens públicos e, em particular, dos políticos que, com sua fala fácil e olhar brilhante, vendem, de quatro em quatro anos, a segurança de promessas vazias. Mas dá-nos sabedoria para perceber a diferença entre favor e obrigação e discernimento para escolher o melhor caminho e ao lado de quem caminhar.

Tende misericórdia da moça feia que vive para dar casa arrumada, comida na mesa e roupa lavada à moça bonita. Mas tende mais misericórdia ainda da moça bonita que não percebe que há uma beleza que pulsa em outras veias, que vibra em outros corações.

Tende misericórdia, Senhor, de todos os homens e mulheres, de todas as classes, cores e credos. Pois que ninguém mais carece e merece tanto amor, cuidado, carinho e sinceridade, que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade que nós, teus filhos e filhas de todas as idades.

Tende misericórdia, Senhor, dos santos e dos pecadores, mulheres e homens perdidos ou encontrados em seus amores, dos meninos envelhecidos, dos velhos humilhados. Sede piedoso com todos, que tudo merece misericórdia, enfim. E se misericórdia vos sobrar, Senhor, tende misericórdia de mim!

Eduardo Machado

educador e escritor 

(inspirado no poema “Desespero da Piedade“, de Vinicius de Moraes)