Quanto mais deixamos que as coisas entrem em nossa vida, tanto mais elas manifestam sua sacramentalidade, isto é, se tornam significativas e únicas para nós. São sacramentos humanos.

Há sacramentos divinos. Um homem possui uma profunda experiência de Deus. Deus não é um conceito aprendido no catecismo. Nem é a ponta de pirâmide que fecha, harmoniosamente, nosso sistema de pensamento. Mas é uma experiência interior que atinge as raízes de sua existência. Sem Ele tudo lhe seria absurdo. Nem compreenderia a si mesmo. Muito menos o mundo. Deus lhe aparece como um mistério tão absoluto e radical que se anuncia em tudo, tudo penetra e por tudo resplande. Se Ele é o único Absoluto, então tudo o que existe é revelação d'Ele. Para quem vive Deus desta maneira, o mundo fala de Deus. De sua Beleza. De sua bondade. De seu Mistério. A montanha não é só montanha. O homem não é apenas homem. É o maior sacramento de Deus, de sua Inteligência, de seu Amor e de seu Mistério. Jesus de Nazaré é mais do que o homem da Galiléia. É o Cristo, o sacramento vivo de Deus. A Igreja é mais do que a sociedade de batizados. É o sacramento de Cristo ressuscitado... 

Para quem vê tudo a partir de Deus, o mundo todo é um grande sacramento; cada coisa, cada evento histórico surgem como sacramento de Deus e de sua divina vontade. Mas isso só é possível para quem vive Deus. Caso contrário o mundo é opaco. Na medida em que alguém, com esforço, se deixa tomar e penetrar por Deus, nesta mesma medida é premiado com a transparência divina de todas as coisas. 

A transparência do mundo para Deus é a categoria que nos permite entender a estrutura e o pensar sacramental. Isto significa que Deus nunca é atingido diretamente nele mesmo, mas sempre junto com o mundo e com as coisas do mundo que são diáfanas e transparentes para Ele. Daí ser a experiência de Deus uma experiência sempre sacramental. Na coisa experimentamos Deus. O sacramento é uma parte do mundo, mas que traz em si um outro Mundo (transcendente) Deus. Daí que o sacramento é sempre ambivalente. Nele há dois momentos: um que vem de Deus para a coisa e outro que vai da coisa para Deus. Por isso, podemos dizer que sacramento possui duas funções: a função Indicadora e a função Reveladora. 

Em sua função indicadora, o objeto sacramental indica e aponta para Deus presente dentro dele. Deus é aprendido não com o objeto, mas no objeto. 

Em sua função reveladora o sacramento revela, comunica e expressa Deus presente nele. O movimento vai de Deus para o objeto sacramental. Deus, em si invisível e inarrável, se torna sacramentalmente visível e agarrável. O homem de fé é convidado a mergulhar na Luz divina que resplandece dentro do mundo. O sacramento não tira o homem de seu mundo. Dirige-lhe um apelo para que olhe com mais profundidade, para dentro do coração do mundo. Como diz S. Paulo: Todo homem é chamado - e ninguém é excluído disso, por isso ninguém é indesculpável - a refletir profundamente sobre as obras da criação. Se fizer isso incansavelmente verá: o que parecia invisível, o poder eterno e a divindade, começam a se tornar visíveis (Cf. Rom 1,19-20). O mundo sem deixar de ser mundo se transmuta num eloquente sacramento de Deus: aponta para Deus e revela Deus. A vocação essencial do homem terrestre consiste em tomar-se um homem sacramental. 

Sacramento é tudo, quando visto a partir e à luz de Deus: o mundo, o homem, cada coisa, sinal e símbolo do Transcendente. 

 

Jesus de Nazaré, sacramento de Deus

Deus marcou seu encontro com o homem em todas as coisas. Nelas o homem pode encontrar Deus. Por isso todas as coisas deste mundo são ou podem ser sacramentais. Jesus de Nazaré, na sua vida, nos seus gestos de bondade, na sua morte corajosa e na sua ressurreição é chamado o Sacramento por excelência. Cristo é o lugar do encontro por excelência: n'Ele Deus está de forma humana e o homem de forma divina. A fé sempre viu e acreditou que em Jesus de Nazaré morto e ressuscitado Deus e o Homem se encontram numa unidade profunda, sem divisão e sem confusão. 

 

Igreja, Sacramento de Cristo

A Igreja - emsua totalidade como comunidade de fiéis e comunidade de história da fé em Jesus Cristo ressuscitado, com seu credo, com sua liturgia etc. - foi chamada sempre de Grande Sacramento da graça e da salvação no mundo. Ela carrega dentro de si, como dom precioso, Cristo, o Sacramento de Deus. Assim como Cristo era o sacramento do Pai, a Igreja é o Sacramento de Cristo. Ela se torna sacramento enquanto participa e diuturnamente atualiza o sacramento de Cristo. Também todas as coisas que se encontram dentro da Igreja são sacramento. Assim tudo na Igreja é sacramental porque recorda Cristo ou concretiza a Igreja sacramento: a liturgia, com seus ritos, objetos sagrados, a atividade da Igreja no mundo, na assistência social. Todos os gestos e palavras da Igreja-sacramento assumem igualmente uma função sacramental: estão detalhando no concreto da vida o que seja a própria Igreja-sacramento. 

Como portadora da graça e sacramento de Jesus Cristo, ela se faz presente lá onde Cristo e sua graça alcançam. Cristo não possui limites cósmicos, tudo penetra e abarca: a Igreja tudo abarca e penetra. Por isso a Igreja é limitada apenas nos seus signos e na sua humanidade histórica. Mas o mistério que penetra esta humanidade histórica e os signos todos é livre e pode fazer-se presente em todas as fases do mundo.

A Igreja é uma anciã, vemcarregada de séculos, possui mãos calosas no amaino dos homens, é, não raro, demasiadamente prudente, vagarosa em andar porque lenta em compreender; apesar de todos estes senões, É NELA QUE FOMOS GESTADOS, NASCIDOS E ALIMENTADOS E ENCONTRAMOS DIUTURNAMENTE JESUS CRISTO E COM ELE TODAS AS COISAS. POR CAUSA DO SACRAMENTO.

(BOFF, Leonardo. Mínima Sacramentalia. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos.10ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1984, p.9-52-adaptação)

 

Ainda sobre o conceito de "Sacramento"

Por muito tempo existiu na Igreja um conceito muito restrito de sacramento. Essa palavra era utilizada e pronunciada unicamente como referência a um dos sete sacramentos ou ritos sacramentais da Igreja. É preciso dizer que essa restrição causa um empobrecimento. A realidade sacramental plena não é suficientemente expressa e reduzida nos sete sacramentos. Existem outros centros de sacramentalidade que, longe de diminuírem o valor dos 7 sacramentos, constituem o próprio quadro para a sua compreensão, celebração e realização na vida.

Não se trata de nenhuma novidade. Nos doze primeiros séculos, a palavra "mistério", “sacramento”, era empregada também para designar realidades distintas dos sete ritos sacramentais, comoCristo, a Igreja, a Escritura, a Páscoa, a encarnação, a quaresma. A partir do século XIII (e, sobretudo a partir do Concílio de Trento) e uma vez delimitada a essência ou natureza específica do sacramento, em sentido estrito, como "graça eficaz",a expressão só foi utilizada para indicar os sete ritos sacramentais da Igreja.

O Vaticano II usou a expressão "sacramento" em seu sentido original, aplicando-a a Cristo, à Igreja, e num sentido mais difuso, ao cristão, a todo homem, às realidades criadas. Hoje, a teologia, baseando-se nas fontes da revelação e no Magistério da Igreja, não hesita em nomear de "sacramentos" outras realidades que ultrapassam o campo dos sete sacramentos. Trata-se de reconhecer a essência sacramental das diversas realidades. Parte de um conceito amplo de sacramento; amplia-se o círculo da sacramentalidade, mas não se nega a verdade do sacramento.

(BORÓBIO, Dionísio (org). A Celebração na Igreja. Liturgia e Sacramentologia Fundamental. Vol. 1. São Paulo, Loyola, 1990)

 

Lucimara Trevizan

Equipe do Catequese Hoje